terça-feira, 27 de novembro de 2012

Tempos do medo





Há algum tempo cenas de violência urbana tomaram conta dos meios de comunicação. A guerra entre policiais e traficantes no Rio de Janeiro, os ataques à PM em São Paulo, roubos a caixas eletrônicos, latrocínio, homicídios... A população, maior vítima, sofre acuada e indefesa.

Ao assistir a documentários históricos ou coberturas de guerras, imaginava como seria viver em meio a tal situação. Bombardeios, destruição, a morte iminente a qualquer esquina e em qualquer lugar. Como frequentar a escola, ir ao mercado, viver a rotina? Em tempos de guerra o que as pessoas fazem?

E nesses dias em que o medo impera, percebi que aqui, no Brasil, vivemos uma guerra silenciosa. Não conhecemos a tranquilidade e a paz. Temos medo de andar nas ruas, de sermos assaltados, de termos nossas casas invadidas por furto, roubo ou sequestro. Tememos balas perdidas, a morte por algo insignificante, como um par de tênis ou uma bicicleta.

Nos anos de 1990 a guerra entre bósnios, sérvios e croatas, na antiga Iugoslávia, foi mostrada ao mundo por repórteres internacionais que divulgaram cenas que horrorizaram, comoveram e trouxeram muito pesar - chocou a todos. O filme “Bem vindo a Sarajevo”, de Michael Winterbottom (1997), apresentou os horrores desse conflito, que a princípio, parece estar distante de nossa realidade. Entretanto, quando lemos ou vimos o noticiário, os fatos mostrados no filme parecem nos tocar e se confundem com nosso cotidiano.

Em uma guerra declarada as pessoas saem às ruas, compram seus víveres, tocam seus negócios e assumem riscos. No Brasil, assumimos o ímpeto diário de viver em um lugar que fez da violência algo banal. Aqui se morre por nada e nada acontece com o criminoso, que se nutre e prolifera sobre a impunidade. É preciso alertar a todos: “isso não é normal”.

Nossa responsabilidade sobre tal situação é perceptível em pequenas atitudes como, por exemplo, comprar um inofensivo “baseado”. O tráfico de drogas, um dos responsáveis por esse quadro, só se fortalece porque há um mercado que o mantém ativo. E não se engane imaginando que o “moleque” da periferia é seu maior sócio. Quando um jovem da classe média compra seu “beck”, ou pedra de craque, ele alimenta o que podemos chamar de máquina da morte. Infelizmente, as pessoas que consomem drogas ilícitas e pensam que não fazem mal a ninguém, estão enganadas. São engrenagens essenciais para fazer mover a indústria do crime.

Estou muito triste. O país que sonho para meus filhos não se mostra próximo. Queria poder sair às ruas a qualquer tempo sem me preocupar com a violência seja ela por meio de assalto, sequestro ou motoristas imprudentes e alcoolizados. Essas coisas ocorrem também em outras partes do mundo, mas sei que há lugares onde impera o respeito e a paz. O que ocorre aqui é uma anomalia. Temo perder a esperança de um futuro melhor. Hoje percebo como é viver em meio à guerra.


quarta-feira, 3 de outubro de 2012

Lei das Cotas ou jeitinho brasileiro?

O governo sancionou no último dia 29 de agosto a Lei das Cotas Sociais, que destina 50% das vagas das universidades e dos institutos federais a estudantes egressos de escolas públicas. Tal medida visa a garantir a uma parcela da população acesso gratuito ao ensino superior e tecnológico.



Como muita coisa em nosso país, essa lei trata de um remendo mal-ajambrado e pernicioso que não trará benefícios à sociedade como um todo. O problema que afasta o estudante de baixa renda das cadeiras da universidade pública não é sua condição social, mas sim a baixa qualidade do ensino público que ele recebeu até então. Ora, a solução mais assertiva não seria investir nesses níveis a fim de melhorar a qualidade, para que os alunos tenham competências de concorrerem a vagas não somente nas universidades, como também nos concursos?



A Lei de Cotas é típica do que há de pior no Brasil: descompromisso. Ela permite que o governo protele medidas de melhoria da qualidade da educação e mantenha o baixo investimento nos ensinos fundamental e médio, que por sua vez, forma estudantes cada vez mais despreparados. Os motivos que comprometem a qualidade do ensino são múltiplos e vão desde a ausência da participação da família na educação dos filhos aos baixos salários pagos aos professores.



Em tempos de campanha eleitoral, é palavra corrente dos políticos a valorização do professor. Mas falam isso da boca para fora, pois a real valorização só ocorre com a melhoria salarial, da qual não estão dispostos a solucionar. Esta, além de permitir que o docente encare menores jornadas, pois hoje para se manter precisa trabalhar em múltiplas escolas, atrairia os melhores profissionais para essa carreira, o que de fato refletiria significativamente na qualidade.



Outro ponto a ser considerado nos faz refletir como se dará o desenvolvimento acadêmico de um estudante ingressante na universidade por esse processo e que não possui méritos para concorrer com outro melhor preparado. Se a universidade mantiver a qualidade, certamente os índices de reprovação e evasão aumentarão, o que acabará por elevar os custos dos cursos, e quem sempre paga... Caso contrário, a baixa qualidade será estendida também a esse nível de ensino e observaremos uma multidão de formandos desempregados, sem competência para o trabalho. Tal cenário é o mais provável, visto que o governo vem implementando políticas que condicionam investimentos as instituições federais de ensino ao número de alunos formados, ou seja, maior número de alunos representa mais verbas.



Cabe a nós, sociedade, escolher entre o “jeitinho brasileiro” e a medida correta a ser tomada. Os bons modelos de ensino mundo afora não empregam cotas. Sem esforço e superação, uma sociedade que ignora o mérito e a qualidade está fadada ao fracasso.



segunda-feira, 30 de julho de 2012

Música na escola


               A inclusão do ensino de música como conteúdo do componente curricular de Artes, na Educação Básica das escolas brasileiras, passou a ser obrigatória a partir da Lei nº 11.769, sancionada em 18 de agosto de 2008, que estabeleceu um prazo de três anos para o seu cumprimento. Já avançamos além do tempo definido e pouco se ouve a respeito desse assunto.


Acredito que o ensino de música nas escolas é importante, mas a forma como esse trabalho vai se desenvolver é questão primordial para que a lei seja cumprida. Ela representa um avanço, mas pode tornar-se inviável sem o tratamento adequado.

Inúmeras possibilidades surgem a partir desse novo conteúdo, que deveria ser acompanhado do ensino de outros como artes visuais, cênicas, circenses. A música está presente na vida de todos, mas poucos são os que a (re)produzem. Escolas específicas e com competência para ensinar ainda são insuficientes, o que também repercute na carência de professores especializados. Em termos físicos, os prédios escolares não apresentam estrutura adequada nem mesmo para o básico. Essas limitações levam-nos a crer que muitas escolas, de Educação Básica, não possuem condições para ensinar a (re)produzir música.

Uma alternativa é considerar outras possibilidades e abordar o assunto partindo de temas como a música para o relaxamento, para tratamento de enfermidades, como expressão do imaginário, do inconsciente, do poder, das paixões; os diferentes estilos, tipos, variações; a música como elemento místico, como agente aglutinador de grupos, sons, timbre, volume, altura... Um conteúdo não para se classificar ou memorizar, mas vivenciá-lo e dele se explorar a percepção, os sentidos e por que não a dança.

O conteúdo de música poderia esclarecer o aluno acerca dos sentimentos que os sons despertam transcendendo os simples conceitos de bom ou ruim; a importância do silêncio e do respeito ao outro. A educação musical deve mostrar que a experiência do ouvir é uma vivência particular, mas que também se torna coletiva em uma festa, em um show ou numa reunião com os amigos. Outro dia, assisti a apresentação em espaço aberto de uma orquestra sinfônica em uma cidade próxima. Enquanto tocavam, um sujeito, desses “play boys”, passou diversas vezes ao redor da praça, em seu carro equipado e som nas alturas, num “pancadão” bem estridente, atrapalhando os músicos. Foi algo triste e até vergonhoso de presenciar. Demonstração explícita de desrespeito e falta de educação, tônica cada vez mais comum em nossa sociedade.

Em um trabalho que fiz com alunos do Ensino Fundamental, em escolas da periferia, percebi a grande limitação e resistência que algumas crianças apresentaram ao ouvir estilos musicais distintos do seu cotidiano. Creio ser resultado do desconhecimento e dificuldade de acesso. Percebo que tal limitação abre caminho para a ignorância, a intolerância e até mesmo a violência.

Mostrar a existência de outros ritmos, experimentá-los, senti-los é uma alternativa para melhorar não somente a qualidade da educação, mas o acesso à cultura e ao lazer. Espero que essa lei possa contribuir para que as escolas repensem algumas práticas. Longo é o caminho a ser percorrido, melhor será se for acompanhado de boas notas...

Publicado Jornal da Manhã em 27/07/2012
Acesso: http://www.jmonline.com.br/novo/?noticias,22,ARTICULISTAS,65979


segunda-feira, 26 de março de 2012

Ética e Educação: uma breve reflexão





SILVEIRA, L. J. . Ética e Educação: uma breve reflexão. In: IX Seminário Nacional: Uno e o verso na Educação Escolar, 2008, Uberlândia. Uno e o Diverso na Educação Escolar, 2008 

Resumo
 
          O homem encontra-se em um momento muito importante de sua história. Nossa capacidade de transformação é inegável, de modo que, o mesmo poder de construir apresenta-se aquém do de destruir devido a criação de artefatos capazes de reduzir o mundo a cinzas e dizimar todos os seres vivos. Mas é importante lembrar que podemos mudar nossa história, e certamente, isso se dará mediante a mudanças de paradigmas, na busca de sua essência, de seu auto-conhecimento. É preciso que o professor possa fazer de suas aulas um campo fértil para se pensar sobre Ética. O pensar sobre a ética exige muito mais que disposição. Demanda melhorias na qualidade de ensino que devem partir das Universidades, formando os futuros profissionais da educação para as reais necessidades dos alunos. Um novo modelo de ensino que vise não mais a quantidade, mas, a qualidade. Uma educação cidadã e interdisciplinar, que congregue a todos em uma luta pela melhoria da qualidade de vida e manutenção do planeta. Antes de tudo, alunos são seres humanos que tem na educação a possibilidade de evoluírem e construírem um mundo melhor. Possibilidade de edificarem uma cidadania real e não ideal. Isso é a razão de tudo. Um mundo melhor onde impere a felicidade de todos os seres. A inquietude para indagar o para quê e a consciência de onde vamos chegar. Elementos da ética que nos proporcionarão uma resposta satisfatória e uma conduta reta que gere o bem a todos.
 
 Introdução


O homem é, segundo Aristóteles (2002), um animal social. Na pré-história, a garantia de sobrevivência do grupo estava intimamente ligada ao grau de união dos indivíduos. Em um ambiente inóspito e cercado de predadores, um varão solitário tinha poucas chances de vida. Esse convívio resultou naquilo que denominamos sociedade, ou seja, um agrupamento de pessoas com um objetivo principal: a sobrevivência.
            Portador da consciência do saber aliando às inteligências concreta e abstrata, o homem desenvolveu criticidade e principalmente, criatividade. Criar cultura, acumular conhecimentos e transmiti-los aos descendentes só foram possíveis mediante o estabelecimento de normas de conduta para o convívio societal. Para tanto, o homem atribui às coisas valor. Estes valores são orientadores de nossas ações: certo ou errado; bem ou mal; bom ou ruim; nobre ou fútil, etc.
As inúmeras sociedades em seus distintos tempos históricos sempre tiveram valores aos quais pautavam e regulavam sua organização. A conduta do homem sempre esteve mediada por regras ou valores socialmente estabelecidos num determinado momento histórico. Esses valores morais são, portanto, objeto de estudo da Ética.
A mudança de paradigmas certamente é uma das características da sociedade contemporânea.  Novos avanços no campo das ciências naturais e humanas vislumbram incontáveis possibilidades para o homem. A clássica indagação “para onde vamos”, é recorrente, mas os fatos não apontam para uma resposta satisfatória. Talvez, nossa geração não detenha a resolução dessa equação, mas cabe a nós, no presente, definir quais caminhos seguir.
            Conseguimos manipular recursos naturais e transformá-los em bens de consumo que geram conforto, trazem satisfação e movimentam o sistema ao qual estamos submetidos. Noutro campo, o da medicina, pesquisas sobre o funcionamento do corpo humano, especificamente das células, avançam bastante o que nos leva a vislumbrar, num futuro, o controle sobre o material genético em vistas ao aperfeiçoamento da reprodução humana e da suplantação das doenças.
            Projetamos viagens a outros mundos e exploramos o mais profundo dos mares,  mesmo assim, não somos tão diferentes dos bárbaros de outrora. Pois, o guerreiro de lança em punho, sede de sangue e conquistas, tornou-se animal sofisticado e mais eficiente, ao desenvolver artefatos de extermínio de massa, e domínio de territórios pela ideologia.
            Nosso estilo de vida desencadeia efeitos desastrosos entre nossas sociedades com a acentuação das desigualdades sociais, como também, no esgotamento dos sistemas ecológicos com a exaustão dos recursos renováveis e o comprometimento do equilíbrio do planeta percebido pelas mudanças climáticas. 
            Encontramo-nos submergidos em um turbilhão de dilemas: atendemos às necessidades imediatas sem nos preocupar com o futuro? Todos os seres humanos terão acesso a condições dignas de vida? Podemos influir sobre a vida e manipulá-la? E como ficam as gerações futuras? Será que em nossas ações, pensamos nas pessoas a nossa volta? É preciso refletir nos valores que fundamentam a vida, que fundamentam e humanidade, naquilo que acreditamos.        
Entramos, pois, numa questão mais sutil, a do envolvimento afetivo-emocional. O homem não é formado puramente pela razão e nem somente de sentimento. Temos a capacidade de pensar e repensar nossa prática. Modificar hábitos, recriar espaços, planejar o futuro. As potencialidades humanas são ilimitadas, e nossa capacidade de ação transformadora.
            A questão ética, segundo Severino (1994, p.139) trata de “fundamentar os nossos juízos de valor moral e de legitimar as nossas opções de ação, uma vez que nosso agir não se dá mecanicamente, como ocorre com atividades realizadas de maneira puramente instintiva”. Esses valores éticos irão se expressar concretamente sob formas culturais. Os valores morais são filhos de seu tempo, portanto, são perecíveis. A Ética transcende o tempo, é universal. “Enquanto prática especificamente voltada para os sujeitos humanos em construção, desenvolvendo uma ação de intervenção nesses sujeitos, o seu compromisso fundamental é com o respeito radical à sua dignidade humana. (SEVERINO, 1994. p. 143).
           
Sobre a Ética
O homem conseguiu transformar, a uma velocidade vertiginosa, o mundo. Fiel aos preceitos de Bacon, subjuga a natureza para extrair dela tudo o que lhe possa servir. Ele explora todos os cantos do mundo e toda a matéria capaz de ser transformada é processada. Do infinitamente pequeno ao gigantesco, genes são modificados, montanhas são desmontadas, florestas dizimadas, e o homem, com incansável ambição, justifica sua empresa ao prometer fazer do seu planeta um lugar melhor...
Tamanhas mudanças produziram incontáveis avanços para a humanidade, mas também, trouxeram consigo uma realidade proporcionalmente perversa, e hoje, possivelmente, a Terra não é um lugar melhor que há milênios atrás.
Há um descaso tamanho entre os seres humanos que nos coloca diante uma encruzilhada. Para Aquino (1999)

quando se colocam em xeque esses impasses da vida coletiva é uma demanda de "ressignificação" dos papéis e funções dos atores das diferentes instituições que estruturam e condicionam nossa vida em sociedade. Em certo sentido, pode-se afirmar que tais discussões apontam invariavelmente para a questão ética, uma vez que se referem a procedimentos, condutas e aos valores aí embutidos.

            A ética nos convida a refletir sobre os “valores” para toda humanidade, os valores que fundamentam a vida e os valores que fundamentam nossa crença

 a consciência de si e do mundo não se dá na solidão de um eu fechado em sua interioridade, mas na comunicação intersubjetiva da linguagem e do trabalho numa comunidade, onde nossos objetivos se unem a necessidades reais no esforço de suplantar as alienações que se tecem ao nosso redor, criando as condições para que todos possam exercer a sua transcendência, ou seja, a dimensão criadora que os define como homens. (NOGUEIRA, 1989, p. 13-14).


            Segundo Contrim (1999, p. 212) a ética tem duplo objetivo: o de elaborar princípios de vida capazes de orientar a homem para uma ação moralmente correta e refletir sobre os sistemas morais elaborados pelos homens. Aquino (1999) complementa que “se trata do valor (o para quê) e da direção (o para onde) que atribuímos a - ou subtraímos de - determinadas práticas sociais/profissionais, desde que atreladas a certos preceitos, a certas condições de funcionamento”.
O pensar coletivamente suscita uma nova perspectiva para o homem. A ética busca encontrar o bem comum para o homem e é claro para o planeta. Aristóteles já dizia que a amizade, originada do amigo, aquele que pensava a coisa pública, seria uma demonstração de amor. O ponto de equilíbrio é a felicidade de todos.

Ética e Educação

            A interpretação dos objetivos da escola varia conforme as tendências filosóficas de interpretação da educação. Ela pode ser vista como redentora da sociedade; reprodutora dos valores sociais; transformadora, ao empregar da crítica na construção de algo novo (LUCKESI, 1990).
            Em uma análise mais profunda devemos questionar se a escola produz de fato cidadãos, ou, ao invés disso, excluídos em larga escala. Freqüentar uma sala de aula simplesmente não confere ao aluno a condição de cidadão. O que também, dificilmente é conseguido fora dela.
A escola, com todos os seus problemas, carrega consigo um elemento importante: o professor. Sua práxis sim, pode fazer a diferença e conduzir crianças, adolescentes e adultos a formarem uma nova concepção de mundo. Mesmo inserido em um campo de ação limitado, pode-se semear inquietudes, ensinar o pensar, o refletir.
            Dentro de um campo institucional, a escola, em especial o professor, empregando de um pensamento libertário, torna-se um possível agente transformador dessa sociedade, capaz de trazer a ética para as discussões e situações do cotidiano. Aquino (1999) levanta essa possibilidade ao citar os  Parâmetros Curriculares Nacionais –PCNs – para a educação:

o convívio dentro da escola deve ser organizado de maneira que os conceitos de justiça, respeito e solidariedade sejam vivificados e compreendidos pelos alunos como aliados à perspectiva de uma "vida boa". Dessa forma, não somente os alunos perceberão que esses valores e as regras decorrentes são coerentes com seus projetos de felicidade como serão integrados às suas personalidades: se respeitarão pelo fato de respeitá-los.

            Muito tem se falado sobre a ética, evocando a mesma, para as ações do cotidiano do cidadão comum e também nas instituições. Na escola, a ética deve balizar a ação docente, pois este é um compromisso com as humanidades. Freire (1996), defende que o professor, seja ele como for, em sua passagem pela vida do educando, deixará sempre sua marca, fato que o impele a demonstrar sua lucidez e seu engajamento pela defesa de seus direitos, bem como na exigência das condições para exercício de seus deveres. Essa luta deve ser entendida como um momento importante de sua prática docente, enquanto prática ética.
            Entretanto, não podemos ignorar o fato de que o professor, como um ser humano, sofre das mesmas influencias do mundo a sua volta. Sobre isso Piozzi (2007) lembra que:

a hipertrofia das funções profissionalizantes da escola, em concomitância à disseminação sem precedentes dos valores individualistas e mercantis em massa pela mídia, contrasta, de forma dramática, com a retração das oportunidades no mercado de trabalho. Enquanto a ideologia produtivista difunde, mundo afora, a certeza de que uma educação eficaz na criação das "competências" próprias ao mundo moderno constitui, para indivíduos, grupos e países, o caminho para a prosperidade, aprofunda-se drasticamente a divisão de trabalho entre as classes e as nações e cresce assustadoramente a massa de miseráveis e famintos, excluídos do direito à vida. Tal situação paradoxal evidencia-se nas políticas para a educação pública predominantes nas últimas décadas do século XX, nas quais o enxugamento orçamentário, responsável pela precarização do trabalho docente e pela deterioração dos serviços, convive com a preocupação em implantar "qualidade total", "avaliação dos resultados" etc.



            Eis um dilema entre aquilo que povoa o ideal, daquilo que é possível se realizar. Seria essencial que o professor empregasse da ética em sua atuação. Mas no dia-a-dia surgem vários dilemas morais, mas que também, são éticos. Em uma situação hipotética, mas recorrível, um professor ao reprovar, lhe é conferido um poder e uma responsabilidade sobre o futuro de outrem. Racionalmente, podemos justificar que o aluno não cumpriu com as atividades previstas e não está apto, ou não desenvolveu as competências necessárias para o ingresso ao ano seguinte. Por outro lado, pode-se questionar se a escola proporcionou ao aluno um atendimento diferenciado. Se ela conhece sua realidade social e como trabalha para que suas limitações, sejam elas físicas, sociais ou intelectuais sejam superadas. Se nada disso é feito como um aluno pode ficar retido em uma série, e repetir todas as disciplinas e mais uma vez, a escola não lhe apoiar em suas limitações? O que a ética ensina? 
            É sabido que devemos tratar o desigual com desigualdade, para não cometermos injustiças. A ética é assunto discutido na formação de professores, na família, dentro da própria escola?
            A estes questionamentos não é possível respostas prontas e acabadas, até mesmo pela diversidade de situações e singularidades específicas, mas é preciso que sejam pensados, para que se avance neste campo de conhecimento. Aliás, essa é a verdadeira essência da questão: discutir sobre a prática, sobre a ação. Questionar os valores morais na busca pela felicidade, pela autonomia, pela construção efetiva do ser.

Considerações Finais
O homem encontra-se em um momento muito importante de sua história. Nossa capacidade de transformação torna-se mais potente a cada dia. O poder de reduzir o mundo a cinzas é uma realidade. Mas é importante lembrar que podemos mudar nossa história, e certamente, isso se dará mediante a criação de novos paradigmas. Na busca do homem pela sua essência, pelo seu auto-conhecimento.
            É preciso que o professor possa fazer de suas aulas um campo fértil para se pensar sobre Ética, que é algo que exige muito mais que disposição. Demanda melhorias na qualidade de ensino, partindo das Universidades, formando profissionais da educação em consonância com as reais necessidades dos alunos.                                         
Um novo modelo de ensino que vise não mais a quantidade, mas, a qualidade. Uma educação cidadã e interdisciplinar, que congregue a todos na luta pela melhoria da qualidade de vida e manutenção do planeta.  A melhoria das condições de trabalho do professor como salários dignos, escolas mais bem equipadas, com turmas em número adequado.                                                                                                                                              O corpo discente não pode mais ser tratado como números. São alunos, seres humanos que tem na educação a possibilidade de evoluir para construir um mundo melhor. Possibilidade de edificar sua cidadania em alicerces práticos, reais. Isso é a razão de tudo. Um mundo melhor onde impere a felicidade de todos os seres. Um lugar que interprete a ética em seu sentido mais amplo, o de sua aplicação prática.

Referências


AQUINO, J. G. . A questão ética na educação escolar. Boletim Técnico do SENAC, Rio de Janeiro, v. 25, n. 1, p. 3-13, 1999. Disponível em: http://www.senac.br/boletim/boltec251a.htm Acesso em: 05 set 2008.


COTRIM, Gilberto. Fundamentos da Filosofia: ser, saber e fazer. 14.ed. São Paulo: Saraiva, 1999.


FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa. 4. ed. São Paulo: Paz e Terra, 1996.

LUCKESI, C.C. Filosofia da Educação. São Paulo: Cortez, 1994.(Série Formação do Professor)

NOGUEIRA, João Carlos. Ética e responsabilidade pessoal. In.: MORAIS, Regis. (Org). Filosofia, Educação e Sociedade (ensaios filosóficos). Campinas: Papirus, 1989. p. 13-22.


PIOZZI, Patrizia. Utopias revolucionárias e educação pública: rumos para uma nova "cidade ética". Educ. Soc. ,  Campinas,  v. 28,  n. 100, 2007 .  Disponível em: . Acesso em: 11  Set  2008.

SEVERINO, Antônio Joaquim. Filosofia da Educação: construindo a cidadania. 1.ed. São Paulo: FTD, 1994.













quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

EXPANSÃO DO SETOR SUCROALCOOLEIRO NO BRASIL: ALGUMAS CONSIDERAÇÕES



Expansion of the sugar cane ethanol sector in Brazil: some considerations

Leonardo José Silveira
Natalya Dayrell de Carvalho
DISPONÍVEL: http://www.uftm.edu.br/revistaeletronica/index.php/revistatriangulo/issue/view/2

Resumo:
O aumento da produção de biocombustíveis no mundo é um fato. Neste artigo apresentamos algumas reflexões referentes à expansão da indústria canavieira no Brasil. Sem desconsiderar o contexto histórico de formação do território brasileiro e sua relação com a cultura da cana, nosso recorte temporal parte da criação do Proálcool, em 1975, até os dias atuais. Para tanto, buscou-se levantamento bibliográfico de documentos como “O Estado Mundial da Agricultura e da Alimentação” (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A AGRICULTURA E ALIMENTAÇÃO, 2008) e o Relatório da Anistia Internacional - 2008, além de outros importantes textos para fundamentar a discussão. O objetivo é trazer contribuições e elementos para a questão a fim de ampliar o debate, que se faz necessário na ordem do dia. Observa-se atualmente no país, o incentivo do Estado em expandir as áreas cultivadas pela cana. Tal empenho, que inclui financiamentos e isenção de impostos, vem de encontro às ordens internacionais relacionadas aos biocombustíveis, ao invés de primar pela promoção do desenvolvimento nacional, em seu aspecto mais amplo. Nesse sentido, traçamos um panorama da recente expansão da indústria sucroalcooleira no sentido Centro-Sul do país, especificamente, na região do Triângulo Mineiro, Estado de Minas Gerais. Buscou-se levantar a discussão no âmbito sócio-ambiental, problematizando a produção dessa fonte de energia, supostamente “limpa”; correlacionar a precarização e involução geradas nas relações de trabalho, bem como os problemas de ordem ambiental, criados por esta monocultura. As análises nos conduzem a importantes reflexões sobre a real necessidade dos biocombustíveis e os possíveis desdobramentos desencadeados por esta opção.

Palavras-chave: setor sucroalcooleiro, cana-de-açúcar, precarização do trabalho, Triângulo Mineiro.

Abstract:
In this article we present some thoughts referring to the expansion of sugar cane industry in Brazil. Considering the historical context of the formation of Brazil territory, and its relationship with sugar cane culture, we analyze the time period from the creation of Proálcool, in 1975, to current time. For that, a bibliographical research was made in documents such as “The State of Food And Agriculture 2008” (FOOD AND AGRICULTURE ORGANIZATION OF THE UNITED NATIONS, 2008), the Amnesty International Report – 2008 as well as another important texts, to base the discussion. The objective is to bring contributions end elements to the issue to broaden the debate that is necessary in the order of the day. We nowadays see in the country a government effort in order to expand the planted areas, incentive production, finance sugar cane monoculture, an effort which main objective is to address international demands related to biofuels instead of driving development in its ample sense in the country. In this sense, we make a overview of the recent expansion of the sugar cane industry in the Center-south regions of the country, specifically in the “Triângulo Mineiro” region of Minas Gerais state. We seek to make the discussion in the socio-environmental aspect, analyzing the production of this supposedly “clean” energy, correlating with the worsening and involution generated in the work relations; and environmental problems produced by this monoculture.

Keywords: sugar cane alcohol sector, sugar cane, worsening of work relations, Triângulo Mineiro.


1. Um panorama da problemática referente à cana-de-açúcar: contradições e possibilidades

                  Com a nova colônia, Portugal passa a reunir um importante fator de produção gerador de riqueza: a terra. Para proteger o bem encontrado, a coroa portuguesa inicia o povoamento da nova terra doando imensos lotes a ricos e nobres, sob a condição de oferecer-lhes lucros. Os mais ricos eram os possuidores dos lotes mais extensos, principalmente os localizados na zona da Mata nordestina, dotada de um excelente solo de massapé e clima propício para o cultivo da cana-de-açúcar, produzindo então açúcar, raro e valioso na Europa. Os nativos foram sendo dizimados e como mão-de-obra para tocar as lavouras, optou-se pelo trabalho escravo realizado pelos negros trazidos da África (MARTINS; VANALLI, 2001). Portugal reunia assim três importantes fatores de produção: terra, capital e trabalho.
          A chegada da cultura da cana no Brasil assume um importante papel na configuração sócio-espacial. O sucesso na exploração do açúcar incentiva a abertura de mais engenhos, aumentando, consecutivamente, o emprego de mão-de-obra escrava. O ciclo do açúcar criou uma pequena aristocracia canavieira, centrada na figura do senhor de engenho. Tal situação influenciou fortemente as relações sociais de poder e a concentração de terras e riquezas.
         O Nordeste, neste contexto, assume posição de destaque na colônia. Em toda a região estruturou-se uma sociedade aristocrática dividida em classes, cujo ápice era ocupado pelo senhor-de-engenho. Técnicos israelitas vindos da Europa e pequenos lavradores constituíram o núcleo central de uma classe média rural pouco numerosa e dominada pela aristocracia do açúcar, que, após o aparecimento das grandes usinas e da concentração fundiária, se proletarizou. A relação destes com os senhores de engenho se orientava no sentido de garantir, a este último, o exercício pleno do seu poder sobre suas terras, agregados e dependentes. Os escravos foram o alicerce da economia açucareira nordestina (ANDRADE, 1986).
          A “civilização do açúcar” perdeu seu fôlego, e após sofrer forte concorrência com outros mercados foi substituída por outros ciclos: a pecuária, a mineração, o algodão, o café, a borracha, o cacau. Na verdade, o país consolidava sua vocação agrícola: produzir para exportar, sem preocupação com a produção de alimentos e as necessidades do consumo interno. Novos empreendimentos transformaram o espaço geográfico do país sem, contudo, modificar a estrutura fundiária e as relações sociais.
         Nos últimos 200 anos, o emprego da técnica se intensificou à medida que a evolução das máquinas tornou-se mais intensa. As criações humanas, de modo geral, se reportam a um importante agente: a cultura. O homem a produz apropriando-se da técnica. Santos (2002, p.29) coloca que a técnica é a principal forma de relação entre o homem e o meio, e a define como “um conjunto de meios instrumentais e sociais, com as quais o homem realiza sua vida, produz e, ao mesmo tempo, cria espaço”. Para tanto, ele propõe uma periodização para o espaço geográfico em meios natural, técnico e técnico-científico-informacional.
       Por meio natural entende-se como aquele utilizado pelo homem, sem grandes transformações. “As técnicas e o trabalho casavam-se com as dádivas da natureza, com a qual se relacionavam sem outra mediação”. Já o meio técnico, surge ante o “espaço mecanizado”, ou seja, a máquina a vapor, a ferrovia e a eletricidade. O que seria então o meio técnico-científico-informacional? Segundo Santos,
o meio geográfico do período atual, onde os objetos mais proeminentes são elaborados a partir dos mandamentos da ciência e se servem de uma técnica informacional da qual lhes vem o alto coeficiente de intencionalidade com que servem às diversas modalidades e às diversas etapas da produção. (SANTOS 2002, p.234-235).

          Na era da comunicação em rede, da velocidade e da informação, vislumbramos um imensurável avanço técnico-científico. Entretanto, práticas arcaicas compõem em grande medida o cenário agrícola nacional e reduzem todo avanço a mero afã. Graziano Neto descreve com grande propriedade a destruição da paisagem natural nordestina pelo açúcar nestes quase 500 anos de exploração.
Esta região de matas tropicais converteu-se, como diz Josué de Castro, em Região de savanas. Naturalmente nascida para produzir alimentos, passou a ser uma região de fome. Onde tudo germinava com exuberante vigor, o latifúndio açucareiro destrutivo e avassalador, deixou rochas estéreis, solos lavados, terras erodidas [...] Os incêndios que abriam terra aos canaviais devastaram a floresta e com ela a fauna; desapareceram os cervos, os javalis, as toupeiras, os coelhos, os tatus. O tapete vegetal, a flora e a fauna sacrificados, nos altares da monocultura à cana-de-açúcar. A produção extensiva esgotou rapidamente o solo. (GRAZIANO NETO, 1986, p.94 apud FONSECA, 2006, p.15).

          Ambiente e sociedade tornaram-se vítimas da monocultura. As relações de tempo e espaço pouco evoluíram. Os novos tempos mecanizaram a colheita, mesmo assim as queimadas que destroem fauna e flora continuam. A lavoura, que empregava de mão-de-obra escrava, é a mesma que espolia o trabalhador, levando-o à exaustão. Que futuro espera a grande massa de homens e mulheres que sepultam suas vidas nos canaviais?
          Entendemos que a indústria da cana sempre teve grande importância na economia e no processo histórico brasileiro. Atividade que inclusive adquiriu maior dimensão com a crise internacional nos anos 70, responsável pela forte alta no mercado petroleiro e que impulsionou o setor canavieiro, a partir da criação do Proálcool (MENDONÇA, 2006).
          O Programa Nacional do Álcool – PROÁLCOOL foi lançado em 1975 e promoveu uma divisão territorial do setor sucroalcooleiro, que destinou ao Nordeste a produção de açúcar, e a São Paulo, a de álcool. O programa objetivou expandir a produção do álcool, viabilizando seu uso como matéria-prima para a indústria química, como combustível e adicionado à gasolina (FONSECA; BRAGA, 2008).
         Desde 1975, portanto, o governo brasileiro incentiva o aumento da área de plantação de cana e a estruturação do complexo sucroalcooleiro, com grandes subsídios e diferentes formas de incentivo. Em plena vigência da segunda fase do Proálcool, início da década de 80, o setor sucroalcooleiro viveu um período áureo. De 1986 a 1995 entra em fase de estagnação; na safra de 1989 a 1990 houve um desabastecimento, que afetou de certo modo a credibilidade do programa. Na quarta fase, a de redefinição, que chega até o ano de 2000, foram estabelecidas políticas específicas direcionadas ao setor sucroalcooleiro. A partir de então, a iniciativa privada dá seguimento a um processo de forte expansão, acreditando no papel dos biocombustíveis como concorrente do petróleo, incentivada também, pelo desenvolvimento dos motores flex flue, que tiveram grande aceitação pelo consumidores (PROÁLCOOL).
          Nos últimos anos, devido a fortes pressões internacionais para a produção de biocombustíveis, o Brasil se esforçou para deter a vanguarda da superação do paradigma do petróleo, desenvolvendo tecnologia capaz de substituir, em parte, o uso deste, pelo álcool combustível. Nesse contexto, o Proálcool incentivava a produção de álcool hidratado e anidro, produzido em destilarias autônomas, direcionadas a atender ao enorme crescimento da demanda por álcool, derivadas da produção nacional de automóveis movidos unicamente a este novo combustível. O Proálcool foi o maior programa público mundial de produção de combustível alternativo aos derivados do petróleo.
Em decorrência do Proálcool cresceu a produção de cana-de-açúcar, novas destilarias e usinas foram instaladas e cresceu o número de empregos diretos em toda cadeia produtiva; da indústria produtora de máquinas e equipamentos para o setor sucro-alcooleiro à comercialização de álcool e açúcar, isto é, houve a criação de novos postos de trabalho industrial a novos postos de trabalho agrícola. (ALVES, 2006).


          Contrariando a grande euforia do mercado pela ampliação do uso de etanol, a Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação – FAO publicou o documento intitulado O Estado Mundial da Agricultura e da Alimentação, que analisa as vantagens e os riscos dos biocombustíveis. Os supostos benefícios gerados pela sua produção são questionados no documento que pede a revisão das políticas e subsídios para estes produtos. Alerta, principalmente, para o comprometimento da produção de alimentos perante o aumento na produção de biocombustíveis.
Sin embargo, existe un riesgo de que el aumento de los precios de los alimentos pueda tener consecuencias muy negativas para la seguridad alimentaria de la población más pobre del mundo. Además, la demanda de biocombustibles podría ejercer una importante presión adicional en la base de recursos naturales, con consecuencias sociales y medioambientales potencialmente perjudiciales. (ORGANIZACIÓN DE LAS NACIONES UNIDAS PARA LA AGRICULTURA Y LA ALIMENTACIÓN, 2008a, p. 2). (grifo nosso).

          O documento elaborado pela FAO questiona a substituição dos combustíveis fósseis pelo biocombustível, uma vez que este último não supre a crescente demanda de energia pela sociedade. Outro item pontua a problemática dos custos de produção e respectiva viabilidade mediante os subsídios governamentais e cita o Brasil.
En la actualidad, en muchos países la producción de biocombustibles líquidos no es económicamente viable sin la ayuda de subvenciones, dadas las tecnologías existentes de producción agrícola y elaboración de biocombustibles y los recientes precios relativos de las materias primas de productos agrícolas y el petróleo crudo. La excepción más significativa es la producción de etanol a partir de la caña de azúcar en el Brasil. La competitividad varía enormemente según el biocombustible, la materia prima y el lugar de producción de que se trate, y la viabilidad económica varía en la misma medida en que los países hacen frente a los cambiantes precios de mercado de los insumos y el petróleo, así como en virtud de avances tecnológicos en la propia industria. (ORGANIZACIÓN DE LAS NACIONES UNIDAS PARA LA AGRICULTURA Y LA ALIMENTACIÓN , 2008b, p.10).

            Em Roma, o Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, durante seu discurso na reunião da FAO (SILVA, 2008) responsabilizou os países ricos pela alta dos alimentos como conseqüência de seu protecionismo, e também a indústria petrolífera, pelas constantes elevações do preço do petróleo, fato que aumenta os custos de produção.
          A expansão dos biocombustíveis se faz à custa da redução na produção de alimentos, o que gera uma crise mundial de abastecimento, que ameaça 100 milhões de pessoas nos países mais pobres do mundo. Sob a pressão da cana, desde 2003, segundo o índice do Commodity Research Bureau (CRB), a média dos preços de 24 produtos primários agrícolas registrou alta de 50% das cotações mundiais (FONSECA; BRAGA, 2008).
           O documento coloca em pauta que “es probable que los biocombustibles líquidos no sustituyan sino solo una pequeña parte de los suministros de energía a nivel mundial y por sí solos no puedan eliminar nuestra dependencia de los combustibles fósiles” (ORGANIZACIÓN DE LAS NACIONES UNIDAS PARA LA AGRICULTURA Y LA ALIMENTACIÓN, 2008b, p. 9-10), ou seja, os biocombustíveis não solucionariam a crescente demanda mundial de fontes de energia, a ponto de eliminar a dependência do petróleo. Há um discurso muito forte o qual afirma que os biocombustíveis são fontes limpas de energia capazes de diminuir em grandes medidas os problemas atmosféricos que, por sua vez, interferem na dinâmica climática.
           Críticas e objeções a esses produtos se desdobram em uma série de outras variáveis que afetam tanto a sociedade quanto a natureza. Em um resgate do pensamento marxista convém empregar as Teorias do Desenvolvimento Desigual que buscam explicar a reprodução de diferentes formas de trabalho sob o Capitalismo (MARQUES, 2008). Observa-se, atualmente no país, um esforço do Estado em expandir as áreas plantadas, incentivando a produção, financiando o plantio da monocultura da cana, num empenho que vem muito mais remeter a ordens internacionais que, de fato, promover o desenvolvimento em seu sentido amplo.

2. A precarização nas relações de trabalho

            Na década de 1960, a produtividade do trabalhador relativa ao corte da cana-de-açúcar era, em média, de três toneladas de cana/dia de trabalho. Já na década de 1980, a produtividade média passou para seis toneladas por homem ocupado e, no final da década de 90 até o presente, a produção atinge de 12 a 15 toneladas de cana por dia (MENDONÇA, 2006).
            O não cumprimento da meta freqüentemente significa que o trabalhador será dispensado e colocado em uma lista que circulará por diversas usinas, o que o impede de voltar a trabalhar na safra seguinte (MENDONÇA, 2006).
          No “mundo canavieiro” cada trabalhador gera riquezas com a lida árdua, cortando algumas toneladas de cana por dia, sob sol forte. Contudo, essa fortuna gerada fica alheia a ele e vai para o usineiro. Entende-se, portanto, que quanto maior for o produto do trabalho, tanto menor ele mesmo é (ANTUNES, 2004).
          Os estudos de Antunes (1999 e 2004) são fundamentais para o entendimento das mudanças nas relações de trabalho. Para compreendermos essa lógica, temos que analisar fatores essenciais como: trabalho, capital, propriedade privada da terra e desvalorização do homem. Quanto mais o trabalhador valoriza o que ele produz com o seu trabalho, tanto mais ele fica desvalorizado. Nesse sentido, Antunes ressalta:
o trabalhador se torna tanto mais pobre quanto mais riqueza produz, quanto mais a sua produção aumenta em poder e extensão. O trabalhador se torna uma mercadoria tão mais barata quanto mais mercadorias criar. Com a valorização do mundo das coisas aumenta em proporção direta a desvalorização do mundo dos homens. (ANTUNES, 2004, p.176).
            O trabalhador não reconhece o objeto que produz e nem cresce com aquilo que produz. Fica alheio à sua própria produção, o que gera nele “desafetivação”, estranhamento e alienação. Antunes (2004) adverte que o trabalhador torna-se duplamente servo do seu objeto. Primeiro, que o mundo exterior sensível deixa de ser um objeto pertencente ao seu trabalho; segundo, que o mundo exterior sensível cessa, cada vez mais, de ser meio de vida no sentido imediato, e meio para a subsistência física. O estranhamento do trabalhador com o objeto que ele mesmo criou se expressa pela legislação nacional-econômica, ou seja, quanto mais ele trabalha, menos ele ganha. Segundo Antunes:

quanto mais o trabalhador produz, menos tem para consumir; quanto mais valores cria, mais sem valor e indigno ele se torna; quanto melhor formado o seu produto, tanto mais deformado ele fica; quanto mais civilizado o seu objeto, mais bárbaro o trabalhador; que quanto mais poderoso o trabalho, mais impotente o trabalhador se torna; quanto mais rico de espírito o trabalho, mais pobre de espírito e servo da natureza se torna o trabalhador. (ANTUNES, 2004, p.179).

          O trabalho se metamorfoseia possibilitando novas configurações espaciais (THOMAZ JR; CARVALHAL; CARVALHAL, 2006). A reestruturação produtiva do capital ocorrida nos últimos 20 anos do século XX mostrou novas formas de produção e de trabalho, que ocasionaram alterações profundas no processo de acumulação e reprodução de capitais. Assistimos a grandes mudanças nas relações trabalhistas e observamos como conseqüência, prejuízos para os trabalhadores.
          Eles estão vivenciando novas formas de precarização das condições de trabalho, nas quais, se convive ainda com a mão-de-obra escrava, a terceirização e a eliminação de postos de trabalho, advindas da crescente mecanização nas lavouras.
          Os pequenos agricultores, por sua vez, tiveram sua produção estrangulada pela preferência na concessão de créditos, voltada unicamente para os produtos altamente exportáveis, fato que culminou na proletarização destes trabalhadores. Muitos perderam suas propriedades e se deslocaram para centros urbanos, passando a compor o enorme contingente de mão-de-obra volante. Já a agricultura familiar tem sofrido grandes pressões com a restrição do crédito agrícola, devido às determinações do agronegócio.
          Conforme o Relatório da Anistia Internacional, com base nos dados apresentados pelo Ministério do Trabalho, no ano de 2007 mais de mil e seiscentos trabalhadores foram resgatados de trabalhos forçados no setor canavieiro, onde eram mantidos em condições precárias e insalubres. Visando garantir melhoria nas condições de trabalho nos canaviais, o governo de São Paulo, juntamente com o Ministério Público do Trabalho tomaram
a iniciativa de dar início a inspeções e de instaurar processos. No âmbito federal, o governo prometeu introduzir um esquema de credenciamento social e ambiental voltado à melhoria das condições de trabalho e à redução do impacto ambiental. (ANISTIA, 2007, p. 90).
          Apesar das denúncias e do conhecimento dos fatos, sabe-se que a fiscalização não consegue atingir a todas as propriedades. Para os usineiros, a contratação de mão-de-obra barata soa ser melhor que o emprego da máquina, já que a primeira confere a eles grande economia nos custos. Sujeitos a métodos coercitivos para que aumentem a produção, os trabalhadores apresentam também a vantagem de não exigir um capital inicial e contínuo do usineiro, como seria para a compra e manutenção de máquinas colhedoras.
           A região Nordeste e o Estado de São Paulo tornaram-se pequenos diante o crescimento desta indústria. As novas fronteiras buscam principalmente o Centro-Oeste e as Minas Gerais. A tradição da pecuária, comum nesses estados, e as plantações de soja, estão cedendo lugar ao “deserto verde”, objeto da análise a seguir.

3. A expansão das usinas sucroalcooleiras no Triângulo Mineiro – MG

          O Estado de Minas Gerais, famoso pela beleza de suas montanhas, reserva à região do Triângulo Mineiro as melhores áreas para o cultivo. De “terrenos planos ou levemente convexizados” (ROSS, 2001, p. 182) abriga o bioma cerrado, cuja característica pedológica é o solo ácido e pobre em nutrientes. Contudo, após a “Revolução Verde” da década de 1960 e da mecanização do campo, novas tecnologias, como calagem e adubação, tornaram os solos do cerrado os mais produtivos do país, desencadeando a expansão das fronteiras agrícolas, inicialmente pelo “complexo soja”. A cana-de-açúcar já era cultura explorada na região, abrigando usinas centenárias como a Mendonça, no Município de Conquista, quando da chegada de capital alagoano, fato que passou a mudar a paisagem local.
          Em 1994, o Grupo Tércio Wanderley adquire o controle da Usina Iturama, no Pontal do Triângulo. No mesmo ano, o Grupo Carlos Lyra inicia a construção da usina Agroindustrial Volta Grande, em Conceição das Alagoas, que começa a moer em maio de 1996. Em 2000, esses dois grupos retomam os investimentos na microrregião. Em seguida, O Grupo Tércio Wanderley inicia a construção da filial Campo Florido da Usina Coruripe, inaugurada em 25 de maio de 2002. O Grupo Carlos Lyra adquire também, em 2000, a Usina Delta, no município de mesmo nome. Gradativamente, esses três empreendimentos de usineiros alagoanos na microrregião uberabense, impulsionam transformações sócio-espaciais relevantes (CAMPOS FILHO; SANTOS, 2008).
          Segundo o Sindicato da Indústria de Fabricação do Álcool no Estado de Minas Gerais – SIAMIG,

a retomada de Minas Gerais coincide com a desregulamentação do setor e a ocupação definitiva do cerrado mineiro, em especial a região do Triângulo Mineiro, pelos grandes grupos nordestinos: João Lyra, Tércio Wanderley (Coruripe) e Carlos Lyra, em meados da década de 90 atraídos pelas condições topográficas, o clima e a proximidade com São Paulo. A atividade industrial, até então concentrada na Zona da Mata e Sul do Estado cedeu lugar a este novo pólo industrial, um processo ainda em curso nos dias de hoje, atraindo, agora, também, grandes grupos paulistas, que não encontram mais espaço para expansão no seu estado de origem. (CAMPOS FILHO; SANTOS, 2008).

          Os grupos usineiros têm procurado novas áreas para explorar. Um dos eixos do país em que a expansão tem ocorrido de modo mais intenso é Centro-Sul. O SIAMIG coloca que Minas Gerais conta, atualmente, com 29 Usinas sucroalcooleiras e ocupa o terceiro lugar no ranking de produção nacional, ficando atrás somente dos estados de São Paulo e Paraná. A previsão de produção para Minas (safra 2007/08) é em torno de 38 milhões de toneladas, ou seja, 31% acima dos 29 milhões de toneladas da safra 2006/07, em uma área de 480 mil hectares. A produção concentra-se principalmente na região do Triângulo Mineiro, que responde por 70% da colheita de cana-de-açúcar; logo após, vem o Sul Minas (11%) e, em terceiro lugar, a região Oeste (5%) (CAMPOS FILHO; SANTOS, 2008).
           A indústria sulcroalcooleira em Minas Gerais cresceu acima da média nacional nos últimos cinco anos e conquistou a auto-suficiência na produção de açúcar e álcool, com um crescimento de 19,43% ao ano. Em termos mais específicos, a produção de açúcar cresceu 17,03% ao ano e a de álcool 21,74%. Enquanto que, no Brasil, o aumento na produção de açúcar foi de 7,94% e a de álcool 9,35% ao ano. Tais indicadores mostram o forte desempenho da indústria sulcroalcooleira mineira (CAMPOS FILHO; SANTOS, 2008).
          Vultosos investimentos têm sido aplicados na expansão e na construção de novas usinas no estado. Esses empreendimentos que abrangem não só a área industrial, como também, imensas extensões de terra, sustentam as altas taxas de crescimento da produção.
          Desde o início de 2003, contabilizou-se investimentos em torno de US$ 1 bilhão, tanto nas áreas de expansão agrícola e industrial das unidades já existentes, quanto em novas unidades. De 2003 até a safra 2007/2008 foram inauguradas, em Minas, as Usinas Vale do Paranaíba (Grupo João Lyra), Limeira do Oeste (Grupo Coruripe), Santa Juliana (Grupo Tenório), Usina Planalto (Grupo Carolo), Usina Itapagipe (Grupo Moema), Usina Frutal (Moema) e Veredas (Grupo Ferroeste) (CAMPOS FILHO; SANTOS, 2008).
          A onda de investimentos deverá continuar, ante as boas perspectivas para o mercado do álcool combustível. A previsão é de aporte de US$ 3 bilhões até 2012 - 2013, com a previsão da instalação de 26 novas unidades neste período. Isso trará um salto na produção mineira de cana para 84 milhões de toneladas; cerca de 4,2 bilhões de litros de álcool e 4,6 milhões de toneladas de açúcar, com geração de 60 mil novos empregos diretos (CAMPOS FILHO; SANTOS, 2008).
           Diante de números tão expressivos, alguns setores da sociedade civil e organismos públicos abriram cursos para treinar mão-de-obra especializada, para o trato com açúcar e etanol. Nos níveis médio, pós-médio e superior, cursos na área de tecnologia e gestão passaram a ser ofertados por instituições públicas e também privadas da cidade de Uberaba e Uberlândia. É um ponto positivo em se tratando de geração de empregos e capacitação do trabalhador. Por outro lado, a grande massa de pessoas que movimentam uma usina é “campeada” em outros estados da federação, principalmente do Maranhão, em um campo de trabalho em que é exigida apenas a habilidade com o podão, bem como preparo físico.
Os trabalhadores que conseguem serviço temporário na região ficam instalados nas cidades próximas às           lavouras. Não existe alojamento montado. Essas pessoas ficam concentradas em simples residências, construídas inicialmente para uma família. As casas alugadas abrigam até mais de 15 pessoas em situação pouco confortável.
          Noutra perspectiva, a rotina dos moradores de cidades menores como Campo Florido e Conceição das Alagoas, modificou-se radicalmente. Os “vizinhos temporários”, além de possuírem hábitos e costumes diferentes, são estranhos àquelas comunidades que sentem certa insegurança pelo aumento repentino de pessoas desconhecidas. É percebido pelos órgãos ligados à segurança pública o aumento da violência nessas comunidades, principalmente envolvendo indivíduos alcoolizados. No município de Delta, tem-se observado o crescente número de mães jovens e solteiras. Geralmente, as crianças têm como pai os trabalhadores forasteiros que, após o período de contrato, retornam às suas regiões de origem, noutros estados, negligenciando maior apoio à mãe e à criança.
         No Triângulo Mineiro a criação de novos postos de trabalho na linha de corte manual da cana não atrai a mão-de-obra local, acostumada a outra realidade, geralmente ligada ao pastoreio, às culturas anuais, como milho, soja e às perenes como o café, em que se é menos exigido fisicamente. Em suma, o aumento da indústria canavieira no Triângulo Mineiro não significa a abertura, em real equivalência, a postos de trabalho para os nativos deste lugar. Não obstante, tal discurso é recorrente nos políticos que defendem e incentivam tal empresa.
          A sociedade mineira, em especial a triângulina, vê com ressalvas a chegada destes grupos. Em audiências públicas, palestras, debates e encontros organizados por entidades de classes, escolas e universidades, nota-se a preocupação geral com a preservação e a conservação dos recursos naturais (flora, fauna, mananciais hídricos), com a poluição atmosférica gerada pelas queimadas e com os reflexos sociais desta atividade.
          É desses embates que a força política desta comunidade é colocada à prova, o que demonstra amadurecimento e crescente poder de reivindicação, apontando quais caminhos deve-se seguir para alcançar o bem comum.


4. Considerações


           As alterações climáticas desencadeadas pelo aquecimento global preocupam todo o mundo. A busca por soluções rápidas e eficazes será constante durante este processo. Daí, o cuidado em se analisar as alternativas apresentadas, sua sustentabilidade e seu alcance ético.
          Não é possível avaliar a política dos biocombustíveis no Brasil sem considerar que nosso modelo agrícola é baseado na monocultura para exportação, fato que se contrapõe às propostas de políticas que garantam a soberania alimentar e a reforma agrária. A expansão da cultura da cana em áreas de fronteira agrícola gera conflitos com povos indígenas e com pequenos agricultores. Uma das principais propostas dos países agro-exportadores como o Brasil, é negociar benefícios comerciais para o agronegócio, em troca da abertura de novos mercados para setores estratégicos, como serviços e produtos industriais. Nesse contexto, o grande vilão é o subsídio, porém, não se questiona problemas causados por monopólios agrícolas e nem pelo modelo de produção voltado para o mercado externo (MENDONÇA, 2006).
          Fonseca e Braga (2008) alertam para o gradual aumento dos subsídios agrícolas, simultâneo à queda das taxas de juros para o setor agro-exportador, o que beneficia os grandes conglomerados. Neste cenário, não há espaço para a agricultura familiar, que gera renda, subsistência e fixa o homem ao campo.
          A redução das emissões de gases, almejadas pela substituição da matriz petrolífera aos biocombustíveis, não se mostra suficientemente eficaz, conforme aponta a Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação. A demanda pelo petróleo é muito superior à capacidade dos países em produzir biocombustíveis. No âmbito sócio-ambiental, a precarização do trabalho, a espoliação do trabalhador, o esgotamento dos solos pela prática da monocultura intensiva, a destruição dos biomas naturais e mananciais para ampliação da fronteira agrícola, têm um custo muito alto a ser pago pela sociedade, neutralizando os possíveis benefícios vislumbrados.
           Percebe-se que o Estado implementa uma série de políticas que favorecem os grandes grupos sulcroalcooleiros, detentores de capital por meio de subsídios, isenção de impostos, financiamentos. Enquanto isso, a agricultura familiar, nucleada nos pequenos proprietários, torna-se mais frágil e diminuída, por não conseguir competir com a grande empresa do setor agrícola, geralmente um holding .
          A produção de alimentos soa ser muito ingrata. Sujeitos à lei do mercado (de oferta e procura), o sucesso na comercialização nem sempre depende dos bons resultados na lavoura para se obter o lucro. A renda fácil e sorrateira oferecida pelo arrendamento das terras para o plantio da cana-de-açúcar em contratos que perduram por anos, seduz e arrebata. Num paradoxo confuso, mas explicável pelo mercado, o alimento escasseia e o preço sobre. Dessa vez, a grande massa de despossuídos protesta – “não tenho o mesmo poder de compra de tempos atrás”, abrindo brechas para a subnutrição e enfermidades. É o alerta lançado pela FAO este ano.
          Ao pequeno herói que insiste em cultivar seu chão, adquirido muitas vezes pelo árduo trabalho, cabe-lhe o isolamento. A pequena propriedade fica cercada pela monocultura. As antigas estradas de acesso transformam-se em frenéticos labirintos, calçados de lama ou poeira. As árvores da paisagem desaparecem e um mar de cana ressurge. Na colheita, a queimada deixa sua marca e o pequeno ilhado sente a falta da vizinhança, do ar puro, da fauna e flora que se foram, reduzidos a gomos e fuligem. A opção viável é vender a terra e procurar áreas livres da monocultura.
         O Brasil de ciclos conhece uma realidade: as diferenças sociais que se perpetuam de geração a geração; a multidão de marginalizados; a luta pela terra... do café para a soja, e agora, de volta para a cana.
          Como brasileiros, acreditamos que todos cultivam o sonho de que, um dia, nosso “belo”, “forte” e “impávido colosso”, torne-se “mãe gentil” e seja um lugar onde se possa compartilhar a fartura, exaltar a natureza, repartir as dádivas, abrigar todos os cidadãos com justiça, paz e ética.



5. Referências


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