quinta-feira, 23 de setembro de 2010

Consciência histórica



O dia do patrimônio histórico, comemorado em 17 de agosto, foi lembrado aqui em Paracatu com o plantio da muda de uma paineira, no Largo de Santana, em substituição à imponente árvore que ali existia. Mas, por que se comemorar essa data? Ou ainda, por que se preservar as antigas construções de Paracatu?
Aristóteles já dizia que “é nas cidades que o homem pode realizar a virtude inscrita em sua essência, pois ele é um animal político”. Egípcios, persas, gregos, romanos, incas, maias, entre outros, desenvolveram suas sociedades nas cidades, o campo mais frutífero para a ação política.
Além da importância artística, cultural e social, o meio urbano é o retrato mais fiel da história de seu povo. A dinâmica do espaço narra ascensões e ruínas, progressos e anacronismos, complexidade e simplicidade. Cada parte da urbe é fruto da ação de vários personagens que se relacionam para vencer o meio, produzem cultura e garantem a sobrevivência a espécie.
Do Brasil de 1500 para o país em desenvolvimento do século XXI, a aldeia, a vila, a cidade, representam o marco concreto de como se processou a nossa história. As ruas e as construções corporificam uma espécie de padrão temporal que liga o instante transcorrido, o passado; ao minuto a seguir, o futuro: aquilo que foi e o que está por vir. Reside aí a identidade, alicerce da construção de nossa autonomia.
O geógrafo Yi-Fu Tuan diz que “o entusiasmo pela preservação nasce da necessidade de ter objetos tangíveis nos quais se possa apoiar o sentimento de identidade”. Além do mais, as antigas construções imprimem beleza à paisagem e auxiliam na manutenção da diversidade. Lojas, escritórios, consultórios, clínicas, repartições públicas, enfim, diversos segmentos ocupam imóveis antigos de considerável valor histórico. A dinâmica da cidade, muitas vezes, exige que o espaço seja repensado. Ações de conservação e de preservação mostram que o passado e o futuro podem conviver em harmonia.
A cidade é arte. “Arte e arquitetura buscam visibilidade. São tentativas de dar forma sensível aos estados de espírito, sentimentos e ritmos da vida diária. A maioria dos lugares não são criações deliberadas, pois são construídas para satisfazer as necessidades práticas”. A cidade concebida como arte, segundo o arquiteto Aldo Rossi é um artefato pelo qual “podemos observar e descrever ou procurar compreender seus valores estruturais”. As formas e tipologias arquitetônicas “podem ser lidas e decifradas, como se lê e se decifra um texto”, pois o “desenho das ruas e das casas, das praças e dos templos, além de conter a experiência daqueles que os construíram, denota o seu mundo”. Daí a necessidade de se entender tudo o que se produz e se cria em um determinado lugar.
Preservar nossas memórias, nossos bens materiais e imateriais, é um recurso para a construção da própria identidade. Em um mundo cada vez mais padronizado, decorrente da globalização, a peculiaridade dos lugares torna-se a maior riqueza que uma comunidade possa possuir. Portanto, valorize, conserve e mantenha vivo seu patrimônio, seja ele material ou não. Nossa descendência será imensamente grata por isso.

quarta-feira, 15 de setembro de 2010

EM TEMPOS DE SAUDADE


Numa visita a uma antiga fazenda fiquei admirado com a imponente sede que ali existe. Construção centenária, de esteio e pau-a-pique, bem típica dos tempos da colônia. Porão abaixo do assoalho de taboas espessas de madeira, certamente o árido dormitório dos escravos, que contrasta com os cômodos amplos e ventilados da parte superior. Entretanto, um espaço chamou-me a atenção: a abundância de janelas é exceção em um cômodo. Curioso, indaguei ao dono da casa que logo se prontificou a me explicar. Disse se tratar do “quarto das moças donzelas”. Uma alcova sem janelas. Isso, porque em tempos de casamento arranjado, os jovens apaixonados, não prometidos um ao outro, fugiam para se casar escondido, me explicou. Isso deixou-me pensando em muitas coisas, e uma delas foi sobre a força que tem uma paixão.
Ela cega, emudece, tonteia. Quantas e quantas vezes pessoas apaixonadas, guiadas apenas pelo instinto, cometeram loucuras que depois pudessem se arrepender. Imaginei que para se mudar a arquitetura, como o fizeram naquele tempo, deveria ser comum fugas entre mancebos e donzelas. E aqueles apaixonados que não escapavam o que sentiam?
Quiçá saudade, palavra exclusiva da língua portuguesa. Ela anuncia esse sentimento de falta que experimentamos quando distantes no tempo e no espaço daqueles que estimamos, ou de um momento passado.
A saudade dói, mas se a percebemos é sinal de que temos dentro de nós sentimentos. Quantas vezes sofremos de saudade das pessoas queridas que se foram dessa vida, ou, daquelas que vivem longe.
É engraçado como em momentos de despedida, vem a saudade antes mesmo de nos afastar. Talvez porque sabemos que os instantes juntos estão no seu tempo derradeiro e isso antecipa a falta.
A saudade ilude, mas também desperta ao nos fazer perceber que existem situações que não mais voltarão a acontecer. Ao acordar nos preparamos para o novo, e assim, nos apaixonamos novamente, fazemos novas amizades, vivemos...
Não ser mais adolescente mostra que o mundo pode ser bem mais simples. Não existem verdades absolutas nem dramas infinitos ou amores eternos. A vida passa e com ela os desejos e volições. Mas a sabedoria, essa sim, só aumenta.
Como uma velha casa que acumula história é o registro no espaço de um tempo que não volta mais, guardamos a saudade em nossa memória, seja para nos fazer sorrir ou chorar...