segunda-feira, 26 de março de 2012

Ética e Educação: uma breve reflexão





SILVEIRA, L. J. . Ética e Educação: uma breve reflexão. In: IX Seminário Nacional: Uno e o verso na Educação Escolar, 2008, Uberlândia. Uno e o Diverso na Educação Escolar, 2008 

Resumo
 
          O homem encontra-se em um momento muito importante de sua história. Nossa capacidade de transformação é inegável, de modo que, o mesmo poder de construir apresenta-se aquém do de destruir devido a criação de artefatos capazes de reduzir o mundo a cinzas e dizimar todos os seres vivos. Mas é importante lembrar que podemos mudar nossa história, e certamente, isso se dará mediante a mudanças de paradigmas, na busca de sua essência, de seu auto-conhecimento. É preciso que o professor possa fazer de suas aulas um campo fértil para se pensar sobre Ética. O pensar sobre a ética exige muito mais que disposição. Demanda melhorias na qualidade de ensino que devem partir das Universidades, formando os futuros profissionais da educação para as reais necessidades dos alunos. Um novo modelo de ensino que vise não mais a quantidade, mas, a qualidade. Uma educação cidadã e interdisciplinar, que congregue a todos em uma luta pela melhoria da qualidade de vida e manutenção do planeta. Antes de tudo, alunos são seres humanos que tem na educação a possibilidade de evoluírem e construírem um mundo melhor. Possibilidade de edificarem uma cidadania real e não ideal. Isso é a razão de tudo. Um mundo melhor onde impere a felicidade de todos os seres. A inquietude para indagar o para quê e a consciência de onde vamos chegar. Elementos da ética que nos proporcionarão uma resposta satisfatória e uma conduta reta que gere o bem a todos.
 
 Introdução


O homem é, segundo Aristóteles (2002), um animal social. Na pré-história, a garantia de sobrevivência do grupo estava intimamente ligada ao grau de união dos indivíduos. Em um ambiente inóspito e cercado de predadores, um varão solitário tinha poucas chances de vida. Esse convívio resultou naquilo que denominamos sociedade, ou seja, um agrupamento de pessoas com um objetivo principal: a sobrevivência.
            Portador da consciência do saber aliando às inteligências concreta e abstrata, o homem desenvolveu criticidade e principalmente, criatividade. Criar cultura, acumular conhecimentos e transmiti-los aos descendentes só foram possíveis mediante o estabelecimento de normas de conduta para o convívio societal. Para tanto, o homem atribui às coisas valor. Estes valores são orientadores de nossas ações: certo ou errado; bem ou mal; bom ou ruim; nobre ou fútil, etc.
As inúmeras sociedades em seus distintos tempos históricos sempre tiveram valores aos quais pautavam e regulavam sua organização. A conduta do homem sempre esteve mediada por regras ou valores socialmente estabelecidos num determinado momento histórico. Esses valores morais são, portanto, objeto de estudo da Ética.
A mudança de paradigmas certamente é uma das características da sociedade contemporânea.  Novos avanços no campo das ciências naturais e humanas vislumbram incontáveis possibilidades para o homem. A clássica indagação “para onde vamos”, é recorrente, mas os fatos não apontam para uma resposta satisfatória. Talvez, nossa geração não detenha a resolução dessa equação, mas cabe a nós, no presente, definir quais caminhos seguir.
            Conseguimos manipular recursos naturais e transformá-los em bens de consumo que geram conforto, trazem satisfação e movimentam o sistema ao qual estamos submetidos. Noutro campo, o da medicina, pesquisas sobre o funcionamento do corpo humano, especificamente das células, avançam bastante o que nos leva a vislumbrar, num futuro, o controle sobre o material genético em vistas ao aperfeiçoamento da reprodução humana e da suplantação das doenças.
            Projetamos viagens a outros mundos e exploramos o mais profundo dos mares,  mesmo assim, não somos tão diferentes dos bárbaros de outrora. Pois, o guerreiro de lança em punho, sede de sangue e conquistas, tornou-se animal sofisticado e mais eficiente, ao desenvolver artefatos de extermínio de massa, e domínio de territórios pela ideologia.
            Nosso estilo de vida desencadeia efeitos desastrosos entre nossas sociedades com a acentuação das desigualdades sociais, como também, no esgotamento dos sistemas ecológicos com a exaustão dos recursos renováveis e o comprometimento do equilíbrio do planeta percebido pelas mudanças climáticas. 
            Encontramo-nos submergidos em um turbilhão de dilemas: atendemos às necessidades imediatas sem nos preocupar com o futuro? Todos os seres humanos terão acesso a condições dignas de vida? Podemos influir sobre a vida e manipulá-la? E como ficam as gerações futuras? Será que em nossas ações, pensamos nas pessoas a nossa volta? É preciso refletir nos valores que fundamentam a vida, que fundamentam e humanidade, naquilo que acreditamos.        
Entramos, pois, numa questão mais sutil, a do envolvimento afetivo-emocional. O homem não é formado puramente pela razão e nem somente de sentimento. Temos a capacidade de pensar e repensar nossa prática. Modificar hábitos, recriar espaços, planejar o futuro. As potencialidades humanas são ilimitadas, e nossa capacidade de ação transformadora.
            A questão ética, segundo Severino (1994, p.139) trata de “fundamentar os nossos juízos de valor moral e de legitimar as nossas opções de ação, uma vez que nosso agir não se dá mecanicamente, como ocorre com atividades realizadas de maneira puramente instintiva”. Esses valores éticos irão se expressar concretamente sob formas culturais. Os valores morais são filhos de seu tempo, portanto, são perecíveis. A Ética transcende o tempo, é universal. “Enquanto prática especificamente voltada para os sujeitos humanos em construção, desenvolvendo uma ação de intervenção nesses sujeitos, o seu compromisso fundamental é com o respeito radical à sua dignidade humana. (SEVERINO, 1994. p. 143).
           
Sobre a Ética
O homem conseguiu transformar, a uma velocidade vertiginosa, o mundo. Fiel aos preceitos de Bacon, subjuga a natureza para extrair dela tudo o que lhe possa servir. Ele explora todos os cantos do mundo e toda a matéria capaz de ser transformada é processada. Do infinitamente pequeno ao gigantesco, genes são modificados, montanhas são desmontadas, florestas dizimadas, e o homem, com incansável ambição, justifica sua empresa ao prometer fazer do seu planeta um lugar melhor...
Tamanhas mudanças produziram incontáveis avanços para a humanidade, mas também, trouxeram consigo uma realidade proporcionalmente perversa, e hoje, possivelmente, a Terra não é um lugar melhor que há milênios atrás.
Há um descaso tamanho entre os seres humanos que nos coloca diante uma encruzilhada. Para Aquino (1999)

quando se colocam em xeque esses impasses da vida coletiva é uma demanda de "ressignificação" dos papéis e funções dos atores das diferentes instituições que estruturam e condicionam nossa vida em sociedade. Em certo sentido, pode-se afirmar que tais discussões apontam invariavelmente para a questão ética, uma vez que se referem a procedimentos, condutas e aos valores aí embutidos.

            A ética nos convida a refletir sobre os “valores” para toda humanidade, os valores que fundamentam a vida e os valores que fundamentam nossa crença

 a consciência de si e do mundo não se dá na solidão de um eu fechado em sua interioridade, mas na comunicação intersubjetiva da linguagem e do trabalho numa comunidade, onde nossos objetivos se unem a necessidades reais no esforço de suplantar as alienações que se tecem ao nosso redor, criando as condições para que todos possam exercer a sua transcendência, ou seja, a dimensão criadora que os define como homens. (NOGUEIRA, 1989, p. 13-14).


            Segundo Contrim (1999, p. 212) a ética tem duplo objetivo: o de elaborar princípios de vida capazes de orientar a homem para uma ação moralmente correta e refletir sobre os sistemas morais elaborados pelos homens. Aquino (1999) complementa que “se trata do valor (o para quê) e da direção (o para onde) que atribuímos a - ou subtraímos de - determinadas práticas sociais/profissionais, desde que atreladas a certos preceitos, a certas condições de funcionamento”.
O pensar coletivamente suscita uma nova perspectiva para o homem. A ética busca encontrar o bem comum para o homem e é claro para o planeta. Aristóteles já dizia que a amizade, originada do amigo, aquele que pensava a coisa pública, seria uma demonstração de amor. O ponto de equilíbrio é a felicidade de todos.

Ética e Educação

            A interpretação dos objetivos da escola varia conforme as tendências filosóficas de interpretação da educação. Ela pode ser vista como redentora da sociedade; reprodutora dos valores sociais; transformadora, ao empregar da crítica na construção de algo novo (LUCKESI, 1990).
            Em uma análise mais profunda devemos questionar se a escola produz de fato cidadãos, ou, ao invés disso, excluídos em larga escala. Freqüentar uma sala de aula simplesmente não confere ao aluno a condição de cidadão. O que também, dificilmente é conseguido fora dela.
A escola, com todos os seus problemas, carrega consigo um elemento importante: o professor. Sua práxis sim, pode fazer a diferença e conduzir crianças, adolescentes e adultos a formarem uma nova concepção de mundo. Mesmo inserido em um campo de ação limitado, pode-se semear inquietudes, ensinar o pensar, o refletir.
            Dentro de um campo institucional, a escola, em especial o professor, empregando de um pensamento libertário, torna-se um possível agente transformador dessa sociedade, capaz de trazer a ética para as discussões e situações do cotidiano. Aquino (1999) levanta essa possibilidade ao citar os  Parâmetros Curriculares Nacionais –PCNs – para a educação:

o convívio dentro da escola deve ser organizado de maneira que os conceitos de justiça, respeito e solidariedade sejam vivificados e compreendidos pelos alunos como aliados à perspectiva de uma "vida boa". Dessa forma, não somente os alunos perceberão que esses valores e as regras decorrentes são coerentes com seus projetos de felicidade como serão integrados às suas personalidades: se respeitarão pelo fato de respeitá-los.

            Muito tem se falado sobre a ética, evocando a mesma, para as ações do cotidiano do cidadão comum e também nas instituições. Na escola, a ética deve balizar a ação docente, pois este é um compromisso com as humanidades. Freire (1996), defende que o professor, seja ele como for, em sua passagem pela vida do educando, deixará sempre sua marca, fato que o impele a demonstrar sua lucidez e seu engajamento pela defesa de seus direitos, bem como na exigência das condições para exercício de seus deveres. Essa luta deve ser entendida como um momento importante de sua prática docente, enquanto prática ética.
            Entretanto, não podemos ignorar o fato de que o professor, como um ser humano, sofre das mesmas influencias do mundo a sua volta. Sobre isso Piozzi (2007) lembra que:

a hipertrofia das funções profissionalizantes da escola, em concomitância à disseminação sem precedentes dos valores individualistas e mercantis em massa pela mídia, contrasta, de forma dramática, com a retração das oportunidades no mercado de trabalho. Enquanto a ideologia produtivista difunde, mundo afora, a certeza de que uma educação eficaz na criação das "competências" próprias ao mundo moderno constitui, para indivíduos, grupos e países, o caminho para a prosperidade, aprofunda-se drasticamente a divisão de trabalho entre as classes e as nações e cresce assustadoramente a massa de miseráveis e famintos, excluídos do direito à vida. Tal situação paradoxal evidencia-se nas políticas para a educação pública predominantes nas últimas décadas do século XX, nas quais o enxugamento orçamentário, responsável pela precarização do trabalho docente e pela deterioração dos serviços, convive com a preocupação em implantar "qualidade total", "avaliação dos resultados" etc.



            Eis um dilema entre aquilo que povoa o ideal, daquilo que é possível se realizar. Seria essencial que o professor empregasse da ética em sua atuação. Mas no dia-a-dia surgem vários dilemas morais, mas que também, são éticos. Em uma situação hipotética, mas recorrível, um professor ao reprovar, lhe é conferido um poder e uma responsabilidade sobre o futuro de outrem. Racionalmente, podemos justificar que o aluno não cumpriu com as atividades previstas e não está apto, ou não desenvolveu as competências necessárias para o ingresso ao ano seguinte. Por outro lado, pode-se questionar se a escola proporcionou ao aluno um atendimento diferenciado. Se ela conhece sua realidade social e como trabalha para que suas limitações, sejam elas físicas, sociais ou intelectuais sejam superadas. Se nada disso é feito como um aluno pode ficar retido em uma série, e repetir todas as disciplinas e mais uma vez, a escola não lhe apoiar em suas limitações? O que a ética ensina? 
            É sabido que devemos tratar o desigual com desigualdade, para não cometermos injustiças. A ética é assunto discutido na formação de professores, na família, dentro da própria escola?
            A estes questionamentos não é possível respostas prontas e acabadas, até mesmo pela diversidade de situações e singularidades específicas, mas é preciso que sejam pensados, para que se avance neste campo de conhecimento. Aliás, essa é a verdadeira essência da questão: discutir sobre a prática, sobre a ação. Questionar os valores morais na busca pela felicidade, pela autonomia, pela construção efetiva do ser.

Considerações Finais
O homem encontra-se em um momento muito importante de sua história. Nossa capacidade de transformação torna-se mais potente a cada dia. O poder de reduzir o mundo a cinzas é uma realidade. Mas é importante lembrar que podemos mudar nossa história, e certamente, isso se dará mediante a criação de novos paradigmas. Na busca do homem pela sua essência, pelo seu auto-conhecimento.
            É preciso que o professor possa fazer de suas aulas um campo fértil para se pensar sobre Ética, que é algo que exige muito mais que disposição. Demanda melhorias na qualidade de ensino, partindo das Universidades, formando profissionais da educação em consonância com as reais necessidades dos alunos.                                         
Um novo modelo de ensino que vise não mais a quantidade, mas, a qualidade. Uma educação cidadã e interdisciplinar, que congregue a todos na luta pela melhoria da qualidade de vida e manutenção do planeta.  A melhoria das condições de trabalho do professor como salários dignos, escolas mais bem equipadas, com turmas em número adequado.                                                                                                                                              O corpo discente não pode mais ser tratado como números. São alunos, seres humanos que tem na educação a possibilidade de evoluir para construir um mundo melhor. Possibilidade de edificar sua cidadania em alicerces práticos, reais. Isso é a razão de tudo. Um mundo melhor onde impere a felicidade de todos os seres. Um lugar que interprete a ética em seu sentido mais amplo, o de sua aplicação prática.

Referências


AQUINO, J. G. . A questão ética na educação escolar. Boletim Técnico do SENAC, Rio de Janeiro, v. 25, n. 1, p. 3-13, 1999. Disponível em: http://www.senac.br/boletim/boltec251a.htm Acesso em: 05 set 2008.


COTRIM, Gilberto. Fundamentos da Filosofia: ser, saber e fazer. 14.ed. São Paulo: Saraiva, 1999.


FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa. 4. ed. São Paulo: Paz e Terra, 1996.

LUCKESI, C.C. Filosofia da Educação. São Paulo: Cortez, 1994.(Série Formação do Professor)

NOGUEIRA, João Carlos. Ética e responsabilidade pessoal. In.: MORAIS, Regis. (Org). Filosofia, Educação e Sociedade (ensaios filosóficos). Campinas: Papirus, 1989. p. 13-22.


PIOZZI, Patrizia. Utopias revolucionárias e educação pública: rumos para uma nova "cidade ética". Educ. Soc. ,  Campinas,  v. 28,  n. 100, 2007 .  Disponível em: . Acesso em: 11  Set  2008.

SEVERINO, Antônio Joaquim. Filosofia da Educação: construindo a cidadania. 1.ed. São Paulo: FTD, 1994.













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