quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

EXPANSÃO DO SETOR SUCROALCOOLEIRO NO BRASIL: ALGUMAS CONSIDERAÇÕES



Expansion of the sugar cane ethanol sector in Brazil: some considerations

Leonardo José Silveira
Natalya Dayrell de Carvalho
DISPONÍVEL: http://www.uftm.edu.br/revistaeletronica/index.php/revistatriangulo/issue/view/2

Resumo:
O aumento da produção de biocombustíveis no mundo é um fato. Neste artigo apresentamos algumas reflexões referentes à expansão da indústria canavieira no Brasil. Sem desconsiderar o contexto histórico de formação do território brasileiro e sua relação com a cultura da cana, nosso recorte temporal parte da criação do Proálcool, em 1975, até os dias atuais. Para tanto, buscou-se levantamento bibliográfico de documentos como “O Estado Mundial da Agricultura e da Alimentação” (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A AGRICULTURA E ALIMENTAÇÃO, 2008) e o Relatório da Anistia Internacional - 2008, além de outros importantes textos para fundamentar a discussão. O objetivo é trazer contribuições e elementos para a questão a fim de ampliar o debate, que se faz necessário na ordem do dia. Observa-se atualmente no país, o incentivo do Estado em expandir as áreas cultivadas pela cana. Tal empenho, que inclui financiamentos e isenção de impostos, vem de encontro às ordens internacionais relacionadas aos biocombustíveis, ao invés de primar pela promoção do desenvolvimento nacional, em seu aspecto mais amplo. Nesse sentido, traçamos um panorama da recente expansão da indústria sucroalcooleira no sentido Centro-Sul do país, especificamente, na região do Triângulo Mineiro, Estado de Minas Gerais. Buscou-se levantar a discussão no âmbito sócio-ambiental, problematizando a produção dessa fonte de energia, supostamente “limpa”; correlacionar a precarização e involução geradas nas relações de trabalho, bem como os problemas de ordem ambiental, criados por esta monocultura. As análises nos conduzem a importantes reflexões sobre a real necessidade dos biocombustíveis e os possíveis desdobramentos desencadeados por esta opção.

Palavras-chave: setor sucroalcooleiro, cana-de-açúcar, precarização do trabalho, Triângulo Mineiro.

Abstract:
In this article we present some thoughts referring to the expansion of sugar cane industry in Brazil. Considering the historical context of the formation of Brazil territory, and its relationship with sugar cane culture, we analyze the time period from the creation of Proálcool, in 1975, to current time. For that, a bibliographical research was made in documents such as “The State of Food And Agriculture 2008” (FOOD AND AGRICULTURE ORGANIZATION OF THE UNITED NATIONS, 2008), the Amnesty International Report – 2008 as well as another important texts, to base the discussion. The objective is to bring contributions end elements to the issue to broaden the debate that is necessary in the order of the day. We nowadays see in the country a government effort in order to expand the planted areas, incentive production, finance sugar cane monoculture, an effort which main objective is to address international demands related to biofuels instead of driving development in its ample sense in the country. In this sense, we make a overview of the recent expansion of the sugar cane industry in the Center-south regions of the country, specifically in the “Triângulo Mineiro” region of Minas Gerais state. We seek to make the discussion in the socio-environmental aspect, analyzing the production of this supposedly “clean” energy, correlating with the worsening and involution generated in the work relations; and environmental problems produced by this monoculture.

Keywords: sugar cane alcohol sector, sugar cane, worsening of work relations, Triângulo Mineiro.


1. Um panorama da problemática referente à cana-de-açúcar: contradições e possibilidades

                  Com a nova colônia, Portugal passa a reunir um importante fator de produção gerador de riqueza: a terra. Para proteger o bem encontrado, a coroa portuguesa inicia o povoamento da nova terra doando imensos lotes a ricos e nobres, sob a condição de oferecer-lhes lucros. Os mais ricos eram os possuidores dos lotes mais extensos, principalmente os localizados na zona da Mata nordestina, dotada de um excelente solo de massapé e clima propício para o cultivo da cana-de-açúcar, produzindo então açúcar, raro e valioso na Europa. Os nativos foram sendo dizimados e como mão-de-obra para tocar as lavouras, optou-se pelo trabalho escravo realizado pelos negros trazidos da África (MARTINS; VANALLI, 2001). Portugal reunia assim três importantes fatores de produção: terra, capital e trabalho.
          A chegada da cultura da cana no Brasil assume um importante papel na configuração sócio-espacial. O sucesso na exploração do açúcar incentiva a abertura de mais engenhos, aumentando, consecutivamente, o emprego de mão-de-obra escrava. O ciclo do açúcar criou uma pequena aristocracia canavieira, centrada na figura do senhor de engenho. Tal situação influenciou fortemente as relações sociais de poder e a concentração de terras e riquezas.
         O Nordeste, neste contexto, assume posição de destaque na colônia. Em toda a região estruturou-se uma sociedade aristocrática dividida em classes, cujo ápice era ocupado pelo senhor-de-engenho. Técnicos israelitas vindos da Europa e pequenos lavradores constituíram o núcleo central de uma classe média rural pouco numerosa e dominada pela aristocracia do açúcar, que, após o aparecimento das grandes usinas e da concentração fundiária, se proletarizou. A relação destes com os senhores de engenho se orientava no sentido de garantir, a este último, o exercício pleno do seu poder sobre suas terras, agregados e dependentes. Os escravos foram o alicerce da economia açucareira nordestina (ANDRADE, 1986).
          A “civilização do açúcar” perdeu seu fôlego, e após sofrer forte concorrência com outros mercados foi substituída por outros ciclos: a pecuária, a mineração, o algodão, o café, a borracha, o cacau. Na verdade, o país consolidava sua vocação agrícola: produzir para exportar, sem preocupação com a produção de alimentos e as necessidades do consumo interno. Novos empreendimentos transformaram o espaço geográfico do país sem, contudo, modificar a estrutura fundiária e as relações sociais.
         Nos últimos 200 anos, o emprego da técnica se intensificou à medida que a evolução das máquinas tornou-se mais intensa. As criações humanas, de modo geral, se reportam a um importante agente: a cultura. O homem a produz apropriando-se da técnica. Santos (2002, p.29) coloca que a técnica é a principal forma de relação entre o homem e o meio, e a define como “um conjunto de meios instrumentais e sociais, com as quais o homem realiza sua vida, produz e, ao mesmo tempo, cria espaço”. Para tanto, ele propõe uma periodização para o espaço geográfico em meios natural, técnico e técnico-científico-informacional.
       Por meio natural entende-se como aquele utilizado pelo homem, sem grandes transformações. “As técnicas e o trabalho casavam-se com as dádivas da natureza, com a qual se relacionavam sem outra mediação”. Já o meio técnico, surge ante o “espaço mecanizado”, ou seja, a máquina a vapor, a ferrovia e a eletricidade. O que seria então o meio técnico-científico-informacional? Segundo Santos,
o meio geográfico do período atual, onde os objetos mais proeminentes são elaborados a partir dos mandamentos da ciência e se servem de uma técnica informacional da qual lhes vem o alto coeficiente de intencionalidade com que servem às diversas modalidades e às diversas etapas da produção. (SANTOS 2002, p.234-235).

          Na era da comunicação em rede, da velocidade e da informação, vislumbramos um imensurável avanço técnico-científico. Entretanto, práticas arcaicas compõem em grande medida o cenário agrícola nacional e reduzem todo avanço a mero afã. Graziano Neto descreve com grande propriedade a destruição da paisagem natural nordestina pelo açúcar nestes quase 500 anos de exploração.
Esta região de matas tropicais converteu-se, como diz Josué de Castro, em Região de savanas. Naturalmente nascida para produzir alimentos, passou a ser uma região de fome. Onde tudo germinava com exuberante vigor, o latifúndio açucareiro destrutivo e avassalador, deixou rochas estéreis, solos lavados, terras erodidas [...] Os incêndios que abriam terra aos canaviais devastaram a floresta e com ela a fauna; desapareceram os cervos, os javalis, as toupeiras, os coelhos, os tatus. O tapete vegetal, a flora e a fauna sacrificados, nos altares da monocultura à cana-de-açúcar. A produção extensiva esgotou rapidamente o solo. (GRAZIANO NETO, 1986, p.94 apud FONSECA, 2006, p.15).

          Ambiente e sociedade tornaram-se vítimas da monocultura. As relações de tempo e espaço pouco evoluíram. Os novos tempos mecanizaram a colheita, mesmo assim as queimadas que destroem fauna e flora continuam. A lavoura, que empregava de mão-de-obra escrava, é a mesma que espolia o trabalhador, levando-o à exaustão. Que futuro espera a grande massa de homens e mulheres que sepultam suas vidas nos canaviais?
          Entendemos que a indústria da cana sempre teve grande importância na economia e no processo histórico brasileiro. Atividade que inclusive adquiriu maior dimensão com a crise internacional nos anos 70, responsável pela forte alta no mercado petroleiro e que impulsionou o setor canavieiro, a partir da criação do Proálcool (MENDONÇA, 2006).
          O Programa Nacional do Álcool – PROÁLCOOL foi lançado em 1975 e promoveu uma divisão territorial do setor sucroalcooleiro, que destinou ao Nordeste a produção de açúcar, e a São Paulo, a de álcool. O programa objetivou expandir a produção do álcool, viabilizando seu uso como matéria-prima para a indústria química, como combustível e adicionado à gasolina (FONSECA; BRAGA, 2008).
         Desde 1975, portanto, o governo brasileiro incentiva o aumento da área de plantação de cana e a estruturação do complexo sucroalcooleiro, com grandes subsídios e diferentes formas de incentivo. Em plena vigência da segunda fase do Proálcool, início da década de 80, o setor sucroalcooleiro viveu um período áureo. De 1986 a 1995 entra em fase de estagnação; na safra de 1989 a 1990 houve um desabastecimento, que afetou de certo modo a credibilidade do programa. Na quarta fase, a de redefinição, que chega até o ano de 2000, foram estabelecidas políticas específicas direcionadas ao setor sucroalcooleiro. A partir de então, a iniciativa privada dá seguimento a um processo de forte expansão, acreditando no papel dos biocombustíveis como concorrente do petróleo, incentivada também, pelo desenvolvimento dos motores flex flue, que tiveram grande aceitação pelo consumidores (PROÁLCOOL).
          Nos últimos anos, devido a fortes pressões internacionais para a produção de biocombustíveis, o Brasil se esforçou para deter a vanguarda da superação do paradigma do petróleo, desenvolvendo tecnologia capaz de substituir, em parte, o uso deste, pelo álcool combustível. Nesse contexto, o Proálcool incentivava a produção de álcool hidratado e anidro, produzido em destilarias autônomas, direcionadas a atender ao enorme crescimento da demanda por álcool, derivadas da produção nacional de automóveis movidos unicamente a este novo combustível. O Proálcool foi o maior programa público mundial de produção de combustível alternativo aos derivados do petróleo.
Em decorrência do Proálcool cresceu a produção de cana-de-açúcar, novas destilarias e usinas foram instaladas e cresceu o número de empregos diretos em toda cadeia produtiva; da indústria produtora de máquinas e equipamentos para o setor sucro-alcooleiro à comercialização de álcool e açúcar, isto é, houve a criação de novos postos de trabalho industrial a novos postos de trabalho agrícola. (ALVES, 2006).


          Contrariando a grande euforia do mercado pela ampliação do uso de etanol, a Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação – FAO publicou o documento intitulado O Estado Mundial da Agricultura e da Alimentação, que analisa as vantagens e os riscos dos biocombustíveis. Os supostos benefícios gerados pela sua produção são questionados no documento que pede a revisão das políticas e subsídios para estes produtos. Alerta, principalmente, para o comprometimento da produção de alimentos perante o aumento na produção de biocombustíveis.
Sin embargo, existe un riesgo de que el aumento de los precios de los alimentos pueda tener consecuencias muy negativas para la seguridad alimentaria de la población más pobre del mundo. Además, la demanda de biocombustibles podría ejercer una importante presión adicional en la base de recursos naturales, con consecuencias sociales y medioambientales potencialmente perjudiciales. (ORGANIZACIÓN DE LAS NACIONES UNIDAS PARA LA AGRICULTURA Y LA ALIMENTACIÓN, 2008a, p. 2). (grifo nosso).

          O documento elaborado pela FAO questiona a substituição dos combustíveis fósseis pelo biocombustível, uma vez que este último não supre a crescente demanda de energia pela sociedade. Outro item pontua a problemática dos custos de produção e respectiva viabilidade mediante os subsídios governamentais e cita o Brasil.
En la actualidad, en muchos países la producción de biocombustibles líquidos no es económicamente viable sin la ayuda de subvenciones, dadas las tecnologías existentes de producción agrícola y elaboración de biocombustibles y los recientes precios relativos de las materias primas de productos agrícolas y el petróleo crudo. La excepción más significativa es la producción de etanol a partir de la caña de azúcar en el Brasil. La competitividad varía enormemente según el biocombustible, la materia prima y el lugar de producción de que se trate, y la viabilidad económica varía en la misma medida en que los países hacen frente a los cambiantes precios de mercado de los insumos y el petróleo, así como en virtud de avances tecnológicos en la propia industria. (ORGANIZACIÓN DE LAS NACIONES UNIDAS PARA LA AGRICULTURA Y LA ALIMENTACIÓN , 2008b, p.10).

            Em Roma, o Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, durante seu discurso na reunião da FAO (SILVA, 2008) responsabilizou os países ricos pela alta dos alimentos como conseqüência de seu protecionismo, e também a indústria petrolífera, pelas constantes elevações do preço do petróleo, fato que aumenta os custos de produção.
          A expansão dos biocombustíveis se faz à custa da redução na produção de alimentos, o que gera uma crise mundial de abastecimento, que ameaça 100 milhões de pessoas nos países mais pobres do mundo. Sob a pressão da cana, desde 2003, segundo o índice do Commodity Research Bureau (CRB), a média dos preços de 24 produtos primários agrícolas registrou alta de 50% das cotações mundiais (FONSECA; BRAGA, 2008).
           O documento coloca em pauta que “es probable que los biocombustibles líquidos no sustituyan sino solo una pequeña parte de los suministros de energía a nivel mundial y por sí solos no puedan eliminar nuestra dependencia de los combustibles fósiles” (ORGANIZACIÓN DE LAS NACIONES UNIDAS PARA LA AGRICULTURA Y LA ALIMENTACIÓN, 2008b, p. 9-10), ou seja, os biocombustíveis não solucionariam a crescente demanda mundial de fontes de energia, a ponto de eliminar a dependência do petróleo. Há um discurso muito forte o qual afirma que os biocombustíveis são fontes limpas de energia capazes de diminuir em grandes medidas os problemas atmosféricos que, por sua vez, interferem na dinâmica climática.
           Críticas e objeções a esses produtos se desdobram em uma série de outras variáveis que afetam tanto a sociedade quanto a natureza. Em um resgate do pensamento marxista convém empregar as Teorias do Desenvolvimento Desigual que buscam explicar a reprodução de diferentes formas de trabalho sob o Capitalismo (MARQUES, 2008). Observa-se, atualmente no país, um esforço do Estado em expandir as áreas plantadas, incentivando a produção, financiando o plantio da monocultura da cana, num empenho que vem muito mais remeter a ordens internacionais que, de fato, promover o desenvolvimento em seu sentido amplo.

2. A precarização nas relações de trabalho

            Na década de 1960, a produtividade do trabalhador relativa ao corte da cana-de-açúcar era, em média, de três toneladas de cana/dia de trabalho. Já na década de 1980, a produtividade média passou para seis toneladas por homem ocupado e, no final da década de 90 até o presente, a produção atinge de 12 a 15 toneladas de cana por dia (MENDONÇA, 2006).
            O não cumprimento da meta freqüentemente significa que o trabalhador será dispensado e colocado em uma lista que circulará por diversas usinas, o que o impede de voltar a trabalhar na safra seguinte (MENDONÇA, 2006).
          No “mundo canavieiro” cada trabalhador gera riquezas com a lida árdua, cortando algumas toneladas de cana por dia, sob sol forte. Contudo, essa fortuna gerada fica alheia a ele e vai para o usineiro. Entende-se, portanto, que quanto maior for o produto do trabalho, tanto menor ele mesmo é (ANTUNES, 2004).
          Os estudos de Antunes (1999 e 2004) são fundamentais para o entendimento das mudanças nas relações de trabalho. Para compreendermos essa lógica, temos que analisar fatores essenciais como: trabalho, capital, propriedade privada da terra e desvalorização do homem. Quanto mais o trabalhador valoriza o que ele produz com o seu trabalho, tanto mais ele fica desvalorizado. Nesse sentido, Antunes ressalta:
o trabalhador se torna tanto mais pobre quanto mais riqueza produz, quanto mais a sua produção aumenta em poder e extensão. O trabalhador se torna uma mercadoria tão mais barata quanto mais mercadorias criar. Com a valorização do mundo das coisas aumenta em proporção direta a desvalorização do mundo dos homens. (ANTUNES, 2004, p.176).
            O trabalhador não reconhece o objeto que produz e nem cresce com aquilo que produz. Fica alheio à sua própria produção, o que gera nele “desafetivação”, estranhamento e alienação. Antunes (2004) adverte que o trabalhador torna-se duplamente servo do seu objeto. Primeiro, que o mundo exterior sensível deixa de ser um objeto pertencente ao seu trabalho; segundo, que o mundo exterior sensível cessa, cada vez mais, de ser meio de vida no sentido imediato, e meio para a subsistência física. O estranhamento do trabalhador com o objeto que ele mesmo criou se expressa pela legislação nacional-econômica, ou seja, quanto mais ele trabalha, menos ele ganha. Segundo Antunes:

quanto mais o trabalhador produz, menos tem para consumir; quanto mais valores cria, mais sem valor e indigno ele se torna; quanto melhor formado o seu produto, tanto mais deformado ele fica; quanto mais civilizado o seu objeto, mais bárbaro o trabalhador; que quanto mais poderoso o trabalho, mais impotente o trabalhador se torna; quanto mais rico de espírito o trabalho, mais pobre de espírito e servo da natureza se torna o trabalhador. (ANTUNES, 2004, p.179).

          O trabalho se metamorfoseia possibilitando novas configurações espaciais (THOMAZ JR; CARVALHAL; CARVALHAL, 2006). A reestruturação produtiva do capital ocorrida nos últimos 20 anos do século XX mostrou novas formas de produção e de trabalho, que ocasionaram alterações profundas no processo de acumulação e reprodução de capitais. Assistimos a grandes mudanças nas relações trabalhistas e observamos como conseqüência, prejuízos para os trabalhadores.
          Eles estão vivenciando novas formas de precarização das condições de trabalho, nas quais, se convive ainda com a mão-de-obra escrava, a terceirização e a eliminação de postos de trabalho, advindas da crescente mecanização nas lavouras.
          Os pequenos agricultores, por sua vez, tiveram sua produção estrangulada pela preferência na concessão de créditos, voltada unicamente para os produtos altamente exportáveis, fato que culminou na proletarização destes trabalhadores. Muitos perderam suas propriedades e se deslocaram para centros urbanos, passando a compor o enorme contingente de mão-de-obra volante. Já a agricultura familiar tem sofrido grandes pressões com a restrição do crédito agrícola, devido às determinações do agronegócio.
          Conforme o Relatório da Anistia Internacional, com base nos dados apresentados pelo Ministério do Trabalho, no ano de 2007 mais de mil e seiscentos trabalhadores foram resgatados de trabalhos forçados no setor canavieiro, onde eram mantidos em condições precárias e insalubres. Visando garantir melhoria nas condições de trabalho nos canaviais, o governo de São Paulo, juntamente com o Ministério Público do Trabalho tomaram
a iniciativa de dar início a inspeções e de instaurar processos. No âmbito federal, o governo prometeu introduzir um esquema de credenciamento social e ambiental voltado à melhoria das condições de trabalho e à redução do impacto ambiental. (ANISTIA, 2007, p. 90).
          Apesar das denúncias e do conhecimento dos fatos, sabe-se que a fiscalização não consegue atingir a todas as propriedades. Para os usineiros, a contratação de mão-de-obra barata soa ser melhor que o emprego da máquina, já que a primeira confere a eles grande economia nos custos. Sujeitos a métodos coercitivos para que aumentem a produção, os trabalhadores apresentam também a vantagem de não exigir um capital inicial e contínuo do usineiro, como seria para a compra e manutenção de máquinas colhedoras.
           A região Nordeste e o Estado de São Paulo tornaram-se pequenos diante o crescimento desta indústria. As novas fronteiras buscam principalmente o Centro-Oeste e as Minas Gerais. A tradição da pecuária, comum nesses estados, e as plantações de soja, estão cedendo lugar ao “deserto verde”, objeto da análise a seguir.

3. A expansão das usinas sucroalcooleiras no Triângulo Mineiro – MG

          O Estado de Minas Gerais, famoso pela beleza de suas montanhas, reserva à região do Triângulo Mineiro as melhores áreas para o cultivo. De “terrenos planos ou levemente convexizados” (ROSS, 2001, p. 182) abriga o bioma cerrado, cuja característica pedológica é o solo ácido e pobre em nutrientes. Contudo, após a “Revolução Verde” da década de 1960 e da mecanização do campo, novas tecnologias, como calagem e adubação, tornaram os solos do cerrado os mais produtivos do país, desencadeando a expansão das fronteiras agrícolas, inicialmente pelo “complexo soja”. A cana-de-açúcar já era cultura explorada na região, abrigando usinas centenárias como a Mendonça, no Município de Conquista, quando da chegada de capital alagoano, fato que passou a mudar a paisagem local.
          Em 1994, o Grupo Tércio Wanderley adquire o controle da Usina Iturama, no Pontal do Triângulo. No mesmo ano, o Grupo Carlos Lyra inicia a construção da usina Agroindustrial Volta Grande, em Conceição das Alagoas, que começa a moer em maio de 1996. Em 2000, esses dois grupos retomam os investimentos na microrregião. Em seguida, O Grupo Tércio Wanderley inicia a construção da filial Campo Florido da Usina Coruripe, inaugurada em 25 de maio de 2002. O Grupo Carlos Lyra adquire também, em 2000, a Usina Delta, no município de mesmo nome. Gradativamente, esses três empreendimentos de usineiros alagoanos na microrregião uberabense, impulsionam transformações sócio-espaciais relevantes (CAMPOS FILHO; SANTOS, 2008).
          Segundo o Sindicato da Indústria de Fabricação do Álcool no Estado de Minas Gerais – SIAMIG,

a retomada de Minas Gerais coincide com a desregulamentação do setor e a ocupação definitiva do cerrado mineiro, em especial a região do Triângulo Mineiro, pelos grandes grupos nordestinos: João Lyra, Tércio Wanderley (Coruripe) e Carlos Lyra, em meados da década de 90 atraídos pelas condições topográficas, o clima e a proximidade com São Paulo. A atividade industrial, até então concentrada na Zona da Mata e Sul do Estado cedeu lugar a este novo pólo industrial, um processo ainda em curso nos dias de hoje, atraindo, agora, também, grandes grupos paulistas, que não encontram mais espaço para expansão no seu estado de origem. (CAMPOS FILHO; SANTOS, 2008).

          Os grupos usineiros têm procurado novas áreas para explorar. Um dos eixos do país em que a expansão tem ocorrido de modo mais intenso é Centro-Sul. O SIAMIG coloca que Minas Gerais conta, atualmente, com 29 Usinas sucroalcooleiras e ocupa o terceiro lugar no ranking de produção nacional, ficando atrás somente dos estados de São Paulo e Paraná. A previsão de produção para Minas (safra 2007/08) é em torno de 38 milhões de toneladas, ou seja, 31% acima dos 29 milhões de toneladas da safra 2006/07, em uma área de 480 mil hectares. A produção concentra-se principalmente na região do Triângulo Mineiro, que responde por 70% da colheita de cana-de-açúcar; logo após, vem o Sul Minas (11%) e, em terceiro lugar, a região Oeste (5%) (CAMPOS FILHO; SANTOS, 2008).
           A indústria sulcroalcooleira em Minas Gerais cresceu acima da média nacional nos últimos cinco anos e conquistou a auto-suficiência na produção de açúcar e álcool, com um crescimento de 19,43% ao ano. Em termos mais específicos, a produção de açúcar cresceu 17,03% ao ano e a de álcool 21,74%. Enquanto que, no Brasil, o aumento na produção de açúcar foi de 7,94% e a de álcool 9,35% ao ano. Tais indicadores mostram o forte desempenho da indústria sulcroalcooleira mineira (CAMPOS FILHO; SANTOS, 2008).
          Vultosos investimentos têm sido aplicados na expansão e na construção de novas usinas no estado. Esses empreendimentos que abrangem não só a área industrial, como também, imensas extensões de terra, sustentam as altas taxas de crescimento da produção.
          Desde o início de 2003, contabilizou-se investimentos em torno de US$ 1 bilhão, tanto nas áreas de expansão agrícola e industrial das unidades já existentes, quanto em novas unidades. De 2003 até a safra 2007/2008 foram inauguradas, em Minas, as Usinas Vale do Paranaíba (Grupo João Lyra), Limeira do Oeste (Grupo Coruripe), Santa Juliana (Grupo Tenório), Usina Planalto (Grupo Carolo), Usina Itapagipe (Grupo Moema), Usina Frutal (Moema) e Veredas (Grupo Ferroeste) (CAMPOS FILHO; SANTOS, 2008).
          A onda de investimentos deverá continuar, ante as boas perspectivas para o mercado do álcool combustível. A previsão é de aporte de US$ 3 bilhões até 2012 - 2013, com a previsão da instalação de 26 novas unidades neste período. Isso trará um salto na produção mineira de cana para 84 milhões de toneladas; cerca de 4,2 bilhões de litros de álcool e 4,6 milhões de toneladas de açúcar, com geração de 60 mil novos empregos diretos (CAMPOS FILHO; SANTOS, 2008).
           Diante de números tão expressivos, alguns setores da sociedade civil e organismos públicos abriram cursos para treinar mão-de-obra especializada, para o trato com açúcar e etanol. Nos níveis médio, pós-médio e superior, cursos na área de tecnologia e gestão passaram a ser ofertados por instituições públicas e também privadas da cidade de Uberaba e Uberlândia. É um ponto positivo em se tratando de geração de empregos e capacitação do trabalhador. Por outro lado, a grande massa de pessoas que movimentam uma usina é “campeada” em outros estados da federação, principalmente do Maranhão, em um campo de trabalho em que é exigida apenas a habilidade com o podão, bem como preparo físico.
Os trabalhadores que conseguem serviço temporário na região ficam instalados nas cidades próximas às           lavouras. Não existe alojamento montado. Essas pessoas ficam concentradas em simples residências, construídas inicialmente para uma família. As casas alugadas abrigam até mais de 15 pessoas em situação pouco confortável.
          Noutra perspectiva, a rotina dos moradores de cidades menores como Campo Florido e Conceição das Alagoas, modificou-se radicalmente. Os “vizinhos temporários”, além de possuírem hábitos e costumes diferentes, são estranhos àquelas comunidades que sentem certa insegurança pelo aumento repentino de pessoas desconhecidas. É percebido pelos órgãos ligados à segurança pública o aumento da violência nessas comunidades, principalmente envolvendo indivíduos alcoolizados. No município de Delta, tem-se observado o crescente número de mães jovens e solteiras. Geralmente, as crianças têm como pai os trabalhadores forasteiros que, após o período de contrato, retornam às suas regiões de origem, noutros estados, negligenciando maior apoio à mãe e à criança.
         No Triângulo Mineiro a criação de novos postos de trabalho na linha de corte manual da cana não atrai a mão-de-obra local, acostumada a outra realidade, geralmente ligada ao pastoreio, às culturas anuais, como milho, soja e às perenes como o café, em que se é menos exigido fisicamente. Em suma, o aumento da indústria canavieira no Triângulo Mineiro não significa a abertura, em real equivalência, a postos de trabalho para os nativos deste lugar. Não obstante, tal discurso é recorrente nos políticos que defendem e incentivam tal empresa.
          A sociedade mineira, em especial a triângulina, vê com ressalvas a chegada destes grupos. Em audiências públicas, palestras, debates e encontros organizados por entidades de classes, escolas e universidades, nota-se a preocupação geral com a preservação e a conservação dos recursos naturais (flora, fauna, mananciais hídricos), com a poluição atmosférica gerada pelas queimadas e com os reflexos sociais desta atividade.
          É desses embates que a força política desta comunidade é colocada à prova, o que demonstra amadurecimento e crescente poder de reivindicação, apontando quais caminhos deve-se seguir para alcançar o bem comum.


4. Considerações


           As alterações climáticas desencadeadas pelo aquecimento global preocupam todo o mundo. A busca por soluções rápidas e eficazes será constante durante este processo. Daí, o cuidado em se analisar as alternativas apresentadas, sua sustentabilidade e seu alcance ético.
          Não é possível avaliar a política dos biocombustíveis no Brasil sem considerar que nosso modelo agrícola é baseado na monocultura para exportação, fato que se contrapõe às propostas de políticas que garantam a soberania alimentar e a reforma agrária. A expansão da cultura da cana em áreas de fronteira agrícola gera conflitos com povos indígenas e com pequenos agricultores. Uma das principais propostas dos países agro-exportadores como o Brasil, é negociar benefícios comerciais para o agronegócio, em troca da abertura de novos mercados para setores estratégicos, como serviços e produtos industriais. Nesse contexto, o grande vilão é o subsídio, porém, não se questiona problemas causados por monopólios agrícolas e nem pelo modelo de produção voltado para o mercado externo (MENDONÇA, 2006).
          Fonseca e Braga (2008) alertam para o gradual aumento dos subsídios agrícolas, simultâneo à queda das taxas de juros para o setor agro-exportador, o que beneficia os grandes conglomerados. Neste cenário, não há espaço para a agricultura familiar, que gera renda, subsistência e fixa o homem ao campo.
          A redução das emissões de gases, almejadas pela substituição da matriz petrolífera aos biocombustíveis, não se mostra suficientemente eficaz, conforme aponta a Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação. A demanda pelo petróleo é muito superior à capacidade dos países em produzir biocombustíveis. No âmbito sócio-ambiental, a precarização do trabalho, a espoliação do trabalhador, o esgotamento dos solos pela prática da monocultura intensiva, a destruição dos biomas naturais e mananciais para ampliação da fronteira agrícola, têm um custo muito alto a ser pago pela sociedade, neutralizando os possíveis benefícios vislumbrados.
           Percebe-se que o Estado implementa uma série de políticas que favorecem os grandes grupos sulcroalcooleiros, detentores de capital por meio de subsídios, isenção de impostos, financiamentos. Enquanto isso, a agricultura familiar, nucleada nos pequenos proprietários, torna-se mais frágil e diminuída, por não conseguir competir com a grande empresa do setor agrícola, geralmente um holding .
          A produção de alimentos soa ser muito ingrata. Sujeitos à lei do mercado (de oferta e procura), o sucesso na comercialização nem sempre depende dos bons resultados na lavoura para se obter o lucro. A renda fácil e sorrateira oferecida pelo arrendamento das terras para o plantio da cana-de-açúcar em contratos que perduram por anos, seduz e arrebata. Num paradoxo confuso, mas explicável pelo mercado, o alimento escasseia e o preço sobre. Dessa vez, a grande massa de despossuídos protesta – “não tenho o mesmo poder de compra de tempos atrás”, abrindo brechas para a subnutrição e enfermidades. É o alerta lançado pela FAO este ano.
          Ao pequeno herói que insiste em cultivar seu chão, adquirido muitas vezes pelo árduo trabalho, cabe-lhe o isolamento. A pequena propriedade fica cercada pela monocultura. As antigas estradas de acesso transformam-se em frenéticos labirintos, calçados de lama ou poeira. As árvores da paisagem desaparecem e um mar de cana ressurge. Na colheita, a queimada deixa sua marca e o pequeno ilhado sente a falta da vizinhança, do ar puro, da fauna e flora que se foram, reduzidos a gomos e fuligem. A opção viável é vender a terra e procurar áreas livres da monocultura.
         O Brasil de ciclos conhece uma realidade: as diferenças sociais que se perpetuam de geração a geração; a multidão de marginalizados; a luta pela terra... do café para a soja, e agora, de volta para a cana.
          Como brasileiros, acreditamos que todos cultivam o sonho de que, um dia, nosso “belo”, “forte” e “impávido colosso”, torne-se “mãe gentil” e seja um lugar onde se possa compartilhar a fartura, exaltar a natureza, repartir as dádivas, abrigar todos os cidadãos com justiça, paz e ética.



5. Referências


ALVES, F. Porque morrem os cortadores de cana? Pastoral do Migrante. São Paulo, mar. 2006. Disponível em: Acesso em: 26 set. 2008.

ANDRADE, M. C. de. A Terra e o Homem no Nordeste: contribuição ao estudo da questão agrária no Nordeste. 5.ed. São Paulo: Atlas, 1986.

ANISTIA Internacional. Informe 2008. Disponível em: . Acesso em 27 set. 2008.

ANTUNES, R. Os sentidos do trabalho. São Paulo: Boitempo, 1999.

ANTUNES, R. A dialética do trabalho. São Paulo: Expressão Popular, 2004.

CAMPOS FILHO, M.F. SANTOS, M. Setor Sucroalcooleiro em Minas Gerais. Sindicato da Indústria do Açúcar e do Álcool de Minas Gerais - SIAMIG, Belo Horizonte: 2008. Disponível em: . Acesso em: 25 set. 2008.

FONSECA, V. M. Cana-de-Açúcar invade o cerrado. Revista Destaque, Sacramento, ano 12, no 70, p.13-17, jul-ago de 2006.

FONSECA, V. M. da; BRAGA, S. R. Para além da Geopolítica do etanol – novos discursos e velhas praticas do setor canavieiro no Brasil. Revista Pegada, Presidente Prudente, vol. 9, n.1, out. 2008.

MARQUES, M. I. M. Agricultura e Campesinato no mundo e no Brasil: um renovado desafio à reflexão teórica. In: PAULINO, E. T.; FABRINI, J. E. (Org.). Campesinato e territórios em disputa. 1. ed. São Paulo: Expressão Popular, 2008. p.49-78.

MARTINS, D.; VANALLI, S. Migrantes – repensando a geografia. 4.ed. São Paulo: Contexto, 2001.

MENDONÇA, M. L. A OMC e os Efeitos Destrutivos da Indústria da Cana no Brasil. Rede Ação e Pesquisa à Terra. 13 fev. 2006. Disponível em: < http://www.acaoterra.org/display.php?article=397>. Acesso em: 26 set. 2008.
ORGANIZACIÓN DE LAS NACIONES UNIDAS PARA LA AGRICULTURA Y LA ALIMENTACIÓN. El Estado Mundial de La agricultura y la alimentación - Biocombustibles: perspectivas, riesgos y oportunidades. Roma, 2008a. Disponível em: < ftp://ftp.fao.org/docrep/fao/011/i0100s/i0290s.pdf> Acesso em: 20 out. 2008. (Resumo).

ORGANIZACIÓN DE LAS NACIONES UNIDAS PARA LA AGRICULTURA Y LA ALIMENTACIÓN. El Estado Mundial de La agricultura y la alimentación - Biocombustibles: perspectivas, riesgos y oportunidades. Roma, 2008b. Disponível em: < http://www.fao.org/docrep/011/i0100s/i0100s00.htm> Acesso em: 20 out. 2008.

PRÓALCOOL - Programa Brasileiro de Álcool. Revista biodieselbr. Curitiba. Disponível em: . Acesso em: 13 ago. 2008

ROSS, J. L. S. Geografia do Brasil. São Paulo: EDUSP, 2001

SANTOS, M. A Natureza do Espaço: técnica e tempo, razão e emoção. São Paulo: EDUSP, 2002

SILVA, L. I, L. Leia a íntegra do discurso de Lula na reunião da FAO. Folha Online, São Paulo, 3 jun. 2008, Caderno Dinheiro. Disponível em: < http://www1.folha.uol.com.br/folha/dinheiro/ult91u408450.shtml> . Acesso em : 21 ago. 2008.

THOMAZ JR, A.; CARVALHAL, T. B.; CARVALHAL, M. D. Geografia e trabalho no século XXI. Editora Viena, vol. 2, São Paulo, 2006.

VEIGA, J. E. da. Perspectivas Nacionais de Desenvolvimento Rural. In: Ortega, A. C.; Shiki, S.; Silva, J. G. da. Agricultura, Meio Ambiente e Sustentabilidade do Cerrado Mineiro. Uberlândia: EDUFU, 1997.

Nenhum comentário: